Estudo indica pouca integração de imigrantes muçulmanos na sociedade alemã
Charles Hawley - Der Spiegel
Um novo estudo revelou que nem todos os muçulmanos se sentem confortáveis na Alemanha. Uma pesquisa sobre a integração dos imigrantes provocou mais um debate sobre o papel do islamismo na Alemanha. Segundo o relatório, um número surpreendentemente grande de muçulmanos não alemães manifestam ceticismo quanto à integração à sociedade. Mas as próprias dúvidas do país em relação à imigração podem ter distorcido os dados.
Praticamente todo ano tem início mais um capítulo do contínuo debate na Alemanha sobre a integração dos imigrantes. Os imigrantes sentem-se em casa na Alemanha? Eles estão dispostos a se identificar com a cultura alemã e a se tornar parte dela? E, o mais importante, os muçulmanos se adaptam ao novo país ou eles tendem mais a ver a cultura alemã e ocidental com profundo ceticismo?
Neste ano a discussão teve início com a publicação de um estudo realizado pelo Ministério do Interior da Alemanha, que procurou determinar como os muçulmanos que vivem no país veem a cultura alemã e qual é a atitude deles em relação à integração. O resultado? Uma minoria significativa de 20% dos muçulmanos na Alemanha manifesta ceticismo quanto à integração.
Talvez o mais preocupante seja o fato de, entre os muçulmanos na faixa etária de 14 a 32 anos, “existir um subgrupo que poderia ser descrito como 'estritamente religioso', que sente uma forte antipatia pelo Ocidente, tem tendência a aceitar a violência e não manifesta nenhum desejo de integrar-se à sociedade alemã”, diz o estudo. Entre os muçulmanos que são cidadãos alemães, esse grupo representa 15% do total, e entre os que não são cidadãos, 24%.
“A Alemanha respeita as origens e as identidades culturais dos seus imigrantes”, afirmou o ministro do Interior da Alemanha, Hans-Peter Friedrich, em uma declaração que acompanha o relatório do estudo. “Mas nós não aceitamos a importação de ideias religiosas autoritárias, antidemocráticas e fanáticas. Aqueles que rejeitam a liberdade e a democracia não têm futuro aqui na Alemanha”.
Reações intensas
Os resultados do estudo se baseiam em entrevistas telefônicas com 700 muçulmanos na Alemanha, que incluiu tanto cidadãos quanto não cidadãos. Além disso, os pesquisadores realizaram entrevistas com grupos de jovens muçulmanos, analisaram fóruns na Internet e avaliaram reportagens de televisão. Segundo o Departamento Federal de Migração e Refugiados da Alemanha, há cerca de quatro milhões de muçulmanos no país, dos quais cerca da metade tem cidadania alemã.
As reações iniciais tem sido intensas, conforme talvez fosse de se prever. Hans-Peter Uhl, porta-voz parlamentar para questões de políticas internas dos conservadores de Angela Merkel, afirmou que o estudo é “aterrorizante” em uma entrevista ao jornal “Neue Osnabrücker Zeitung”.
“Essa falta de disposição a se integrar à nossa sociedade pode representar – apesar de não necessariamente – um catalizador para o fanatismo e o terrorismo”, disse ele ao jornal.
Outros, no entanto, estão encarando o estudo de forma diferente. “Eu estou surpreso com o fato de o Ministério do Interior ter mais uma vez usado dinheiro do contribuinte para financiar um estudo que gera manchetes na imprensa, mas que não produz nenhuma ideia”, critica Serkan Tören, especialista em integração social do Partido Liberal Democrático (em alemão, Freie Demokratische Partei, ou FDP), um partido que defende os interesses do empresariado e que integra a coalizão de governo de Angela Merkel.
Volker Beck do Partido Verde vai ainda mais longe. Alegando que o próprio Friedrich, o ministro do Interior, não tem interesse na integração, Beck afirma que “aqueles que veem os muçulmanos somente sob o ângulo do perigo que eles poderiam representar e lhes dizem constantemente que eles não fazem parte da nossa sociedade, não deveriam se surpreender quando isso provoca tal atitude defensiva”.
O comentário de Beck provavelmente diz respeito à revelação do estudo de que os muçulmanos na Alemanha sentem que são um grupo que é frequentemente identificado como composto por terroristas, e que a sociedade de forma geral “tende a fazer uma conexão apressada entre islamismo e terrorismo”.
Alemães não se sentem inteiramente confortáveis quanto ao islamismo
O estudo revelou ainda que 78% dos muçulmanos que possuem cidadania alemã apresentam uma atitude positiva em relação à integração, assim como um pouco mais da metade daqueles que não são cidadãos alemães.
Porém, em outras ocasiões, a Alemanha encontrou dificuldades para interpretar resultados de estudos similares sobre integração, em parte devido ao nervosismo que essa questão costuma gerar em um país que jamais se sentiu inteiramente confortável com a imigração e o islamismo.
Embora na Alemanha não haja aqueles tipos de partidos populistas e anti-islâmicos que contam com uma significante popularidade em vários dos países vizinhos, o debate acalorado provocado pelo livro de crítica aos muçulmanos escrito pelo ex-membro do banco central alemão Thilo Sarrazin, em 2010, demonstrou como essa questão se tornou delicada.
No livro, Sarrazin escreveu – a partir da sua análise própria – sobre os perigos que a imigração representaria para a Alemanha, argumentando que a imigração de turcos estaria reduzindo a inteligência da população do país. Apesar dos protestos contra o livro, não demorou para que ficasse evidente que muita gente no país concordava com a opinião dele.
Além disso, os líderes políticos da Alemanha nem sempre viram com bons olhos a imigração, e particularmente a imigração muçulmana. Durante anos essa questão tem sido popular entre os candidatos políticos – sobremaneira os conservadores. Até mesmo o próprio Friedrich inflamou o debate pouco após ter assumido o cargo, no verão europeu passado. “A afirmação de que o islamismo é parte da Alemanha é algo que não pode ser comprovado pela história”, disse ele. O comentário provocou mais um debate sobre a integração dos imigrantes.
O efeito Sarrazin
Mas esses sentimentos encontram bastante eco na Alemanha. Um estudo altamente divulgado, publicado em 2010 pela organização Friedrich Ebert Sitftung, revelou que 58% dos alemães acham que a prática do islamismo na Alemanha deveria ser “significativamente reduzida” - no leste da Alemanha essa proporção foi de 75,7%.
É claro que os imigrantes na Alemanha estão prestando atenção a esses debates. De fato, o próprio estudo divulgado demonstra que a discussão em torno do livro de Sarrazin pode ter tido uma influência direta nos resultados. As entrevistas telefônicas nas quais se basearam as conclusões do relatório foram realizadas antes e depois do auge do debate sobre o livro de Sarrazin. O estudo observou que as respostas dadas pelos muçulmanos não alemães antes e depois do debate em torno do livro revelaram “variações estatísticas significativas”.
Segundo o estudo, é possível deduzir que o debate pode ter provocado um “efeito indesejável”. “Os muçulmanos não alemães parecem ter sentido que ficaram mais isolados da maioria da sociedade e, portanto, eles reagiram com um preconceito mais intenso e com uma demarcação cultural mais forte”.
Tradução: UOL
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