sábado, 24 de março de 2012
HOMENS MEDÍOCRES
Vince Locke
"A princípio olham-se desconfiados, com medo uns dos outros. Sem dúvida gostam de viver mais um século, mais dois séculos, mas não sabem ainda que emprego hão-de dar à existência. Não se lhes dava mesmo de morrer contanto que continuassem a jogar gamão no infinito. O que lhes custa mais a perder não é a vida, são os hábitos. Veem-se e não se reconhecem. Há almas embrionárias, velhos lojistas que olham para si próprios com terror. A maior parte da gente nasce, moree sem ter olhado a vida cara a cara. Não se atrevem ou ignoram-na: a outra existência acabou por os dominar. Não há máscara que não custe a arrancar - há mentiras que têm raízes mais fundas que a verdade. Por isso, para uns não morrer é continuar a jogar gamão pela eternidade, para outros é juntar uma moeda a outra moeda, um dia a outro dia inútil. Sempre... Já na botica dois idiotas recomeçaram com escrúpulo uma partida que deve durar cem anos, e o bocal amarelo, as moscas mortas estão ali com outro ar. Fixaram-se. Estão ali embirrentas e sórdidas para toda a eternidade." Raul Brandão
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