quarta-feira, 7 de março de 2012

ÍNDIO QUER CERVEJA, NÃO QUER MAIS APITO

Na entrada da tribo, uma cervejaria e uma dor no coração
Timothy Williams - NYT
Em Whiteclay (Nebraska, EUA)
Quatro cabanas de metal em torno da rua principal desta vila de dez habitantes vendem em média 13 mil latas de cerveja por dia. A cidade mais próxima fica a duas horas de distância, ao norte. Mas a apenas 220 metros ao norte --cruzando para o Estado de Dacota do Sul-- está a grande reserva indígena de Pine Ridge, onde o álcool é proibido desde os anos 70.
Quase todo o álcool comprado em Whiteclay termina em Pine Ridge ou é consumido por seus moradores, segundo membros da tribo. Pine Ridge abriga a tribo Sioux Oglala e é um dos lugares mais pobres do país, de acordo com dados do censo de 2010.
Em fevereiro, os Sioux Oglala entraram com uma ação contra as lojas, além da Anheuser-Busch e várias outras fabricantes de cerveja dos EUA, acusando-as de estimular a compra ilegal, a posse, o transporte e o consumo de álcool na reserva. Os casos de síndrome alcoólica fetal, acidentes fatais ao volante e assassinatos alimentados pela bebida lançaram uma sombra sobre Pine Ridge por décadas.
Após a ação na Justiça, a rua que atravessa Whiteclay, Highway 87, ficou cheia de fregueses para as cervejarias. Dezenas de pessoas em vários estados de consciência vagavam pela estrada. Havia homens e mulheres apagados na frente de casas abandonadas. Um disco de Hank Williams Jr, “I`d Raher Be Gone”, estava entre os detritos da estrada, assim como garrafas vazias de bebida e uma cópia dos “Hinos do Tabernáculo”, roupas sujas e um filhote de cachorro morto.
Thomas M. White, advogado de Omaha que entrou com a ação na Justiça em nome da tribo, descreve Whiteclay como “Sodoma e Gomorra”. Há uma sensação de ausência de lei na cidade.
A delegacia do condado de Sheridan, responsável por patrulhar Whiteclay, fica a 30 km de distância e tem apenas cinco policiais. O departamento diz que não tem recursos para patrulhar a cidade de forma adequada. O departamento de polícia tribal, que tem 38 agentes (antes eram 101), fica fora dessa jurisdição.
John Yellow Bird Steele, que preside a tribo, disse que 90% dos crimes e um número similar de doenças na reserva são causados pelo consumo de álcool --a grande maioria contrabandeado ilegalmente de Whiteclay. “Acreditamos que não podemos avançar, nem funcionar, sem que Whiteclay seja regulada”, disse ele.
Em Pine Ridge, que é quase do tamanho de Connecticut, mas tem apenas 45 mil habitantes, a polícia fez no ano passado 20 mil prisões por bebida.
A ação pede US$ 500 milhões (em torno de R$ 800 milhões) de indenização pelos custos incorridos pela tribo em saúde, policiamento e serviços sociais relacionados ao alcoolismo e um limite da quantidade de cerveja que as lojas de Whiteclay podem vender. O argumento legal é que as fabricantes e lojas sabem que estão vendendo álcool para pessoas que não têm um local permitido para consumi-la e que estão contrabandeando para a reserva para uso e revenda ilegais. Qualquer sinal de álcool --cheiro de cerveja, andar trôpego, fala lenta-- podem levar à prisão em Pine Ridge.
A ação foi movida na Justiça federal porque as autoridades federais fiscalizam as reservas dos índios e arbitram as questões de álcool. A Anheuser-Busch e outras fabricantes de cerveja citadas na ação não quiseram comentar, nem responderam a solicitações por e-mail.
O consumo excessivo de álcool é a principal causa de morte evitável entre os índios americanos e eles apresentam quase o dobro do índice da média nacional, de acordo com os Centros para Prevenção e Controle de Doenças. Cerca de um terço das 310 reservas do país proíbem o álcool, mas Pine Ridge é a única reserva seca em Dacota do Sul. Ela faz fronteira com a reserva de Sioux Rosebud, que permite o álcool.
Algumas pessoas defendem a suspensão da proibição, dizendo que a legalização do álcool permitiria que as tribos instaurassem controles mais rígidos e usassem a renda para programas de tratamento. “Não queremos desrespeitar nossos ancestrais, mas passamos por várias gerações”, disse Milton Bians, capitão de polícia tribal, que foi criado pelos avós porque seus pais bebiam.
Apesar da proibição de álcool na reserva, quase todo aspecto da vida local é afetado pela bebida. Os anciões da tribo dizem que 4 em cada 5 famílias na reserva têm alguém com problema de bebida e 1 em cada 4 bebês nascem com síndrome alcoólica fetal ou doenças do espectro de distúrbios fetais relacionados ao álcool. Os índices de diabetes, suicídio entre adolescentes, crime e desemprego em alguns casos são exponencialmente mais altos do que as médias nacionais, de acordo com os números da tribo e das autoridades.
Os proprietários das lojas de cerveja não quiseram comentar. Os outros comércios de Whiteclay, que incluem duas mercearias e uma oficina de automóveis, dizem que não se sentem responsáveis.
Victor Clarke, que mora em Whiteclay há 19 anos e é proprietário da Arrowhead Foods, uma mercearia que não vende álcool, disse que há dezenas de lugares a uma hora de distância onde se pode comprar bebidas, caso a venda anual da cidade de 4,9 milhões de latas de cerveja seja interrompida. Ele disse que há um grande temor que os clientes problemáticos de Whiteclay se mudem para outros locais, o que virtualmente garante a sobrevivência da vila.
“As pessoas não querem que Whiteclay suma”, disse ele. “O Estado de Nebraska não quer que Whiteclay suma porque permite que os problemas fiquem isolados neste lugar pequeno. Ouvimos as pessoas nas cidades aqui em volta dizerem: 'Não queremos esses caras em nossa cidade'”.
Cada lado culpa o outro pelos problemas dos alcoólatras, assaltos, homicídios que fazem parte de Whiteclay. "Muitas vezes, há um problema que começa a ferver em Dacota do Sul e termina em Whiteclay”, disse o xerife Terry Robbins do Condado de Sheridan. Sobre a possibilidade de aumentar o número de patrulhas, ele disse “com a economia do jeito que está, não acho que faremos mais do que estamos tentando fazer agora”. Os policiais patrulham a cidade de duas a três vezes por dia.
O Arrowhead Inn, uma das quatro lojas de cerveja de Whiteclay, tem um cartaz dizendo: “Compense seu cheque do imposto de renda aqui”. A loja cobra 3% de comissão. Pine Ridge não tem bancos, então as lojas de bebida cumprem esse propósito.
A loja vende um pacote de 30 latas de Budweiser por US$ 27,25 --mais caro do que em Nova York, e quase o dobro de outras partes do país. Mas a cerveja de escolha em Whiteclay é a Hurricane High Gravity Lager, um malte produzido pela Anheuser-Busch. Uma lata de 500 ml custa US$ 1,50 no Arrowhead Inn. Seu conteúdo de álcool é de 8,1%; a cerveja comum tem um conteúdo alcoólico de 5%.
James Whiteface, 43, recentemente foi solto da prisão tribal. Era seu aniversário e, para prová-lo, ele mostrou a data de nascimento em seu formulário de prisão. “Vim direto para cá quando saí”, disse ele, referindo-se a Whiteclay. “É aqui que todo mundo se encontra”. Whiteface, um homem magro, disse que bebia seis latas de 500ml de Hurricane em um dia.
Um oficial de patrulha do Estado de Nebraska passou de carro. Alguém gritou uma obscenidade. O policial freou bruscamente e gritou obscenidades de volta, ameaçando chamar o xerife para “limpar acidade”. Uma hora depois, o xerife não veio e a multidão de pessoas bebendo era ainda maior.
Tradutor: Deborah Weinberg

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