Rebeldia e desalento
FSP - Editorial
A opinião pública vê-se relegada a segundo plano a cada momento em que os atores políticos se entregam a negociações fisiológicas
Para amplos setores da população, pouca coisa será mais enfadonha e previsível do que as periódicas rebeliões da base governista no Congresso Nacional.
O que surpreendeu, nestes dias, foi a intensidade do fenômeno, com a imposição de derrotas em série ao Executivo -e isso num momento em que economia e popularidade presidencial são favoráveis.
Num único dia, o governo Dilma Rousseff viu adiada a votação da Lei Geral da Copa, sentiu mais uma vez a força da bancada ruralista no tema do Código Florestal, experimentou a possibilidade de perder sua prerrogativa na demarcação de terras indígenas e teve dois de seus ministros chamados a dar explicações no Congresso.
A mera menção a esses assuntos já é suficiente para atenuar o sentimento de tédio e mesmice que o espetáculo provoca.
Temas como a permissão para consumo de bebida alcoólica nos estádios da Copa do Mundo ou a proteção de áreas florestadas em propriedades agrícolas não deixam de ter consequências reais e, bem ou mal, suscitam em vários grupos sociais movimentos de apoio ou de repúdio.
Nada mais legítimo, desse ponto de vista, que a bancada evangélica queira evitar a venda de álcool nos estádios. Ou então que ruralistas pressionem para transferir às mãos do Congresso o poder de demarcar os territórios indígenas.
Tudo seria sinal de vigor democrático, não fosse a circunstância de que movimentos dessa natureza tendem a ser aplacados não tanto pela negociação concreta em pontos doutrinários como pela distribuição de novos cargos e verbas.
Apesar do tom menos conciliador e mais "gerencial" com que Dilma procura distinguir-se do antecessor e testar um apoio que vá além da antiga fiança lulista, na prática o governo deu sinais de leniência. Nada houve de "gerencial", por exemplo, na nomeação do senador Marcelo Crivella, da bancada evangélica, para o Ministério da Pesca. Só isso já serviria como um sinal de que estava reaberta, passe o termo, a temporada de caça por cargos e concessões.
Outro fator complica ainda mais a situação. Com sua base partidária inchada, o governo negocia não apenas as vagas e emendas de sempre, mas também as alianças com vistas às eleições municipais. É quase impossível satisfazer a todos e a tantos interesses. O fisiologismo cobra seu preço.
A opinião pública, que não é nenhuma abstração quando se trata de Copa do Mundo ou ecologia, vê-se minimizada a cada momento em que os atores políticos se entregam a suas negociações fisiológicas; natural, então, que o desalento e a despolitização, mesmo em assuntos de grande relevância, saiam vencedores.
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