quarta-feira, 21 de março de 2012

A parábola dos semáforos quebrados
Steven Horwitz - OL
Tradução de Lino M. Gill*
Suponha que em alguma tarde ensolarada em uma cidade grande em algum lugar no mundo ocidental, um homem descobre, ao despertar de um cochilo de duas horas, que centenas de acidentes de carro ocorreram na cidade enquanto ele dormia. Ele se pergunta por quê. Primeiro, ele considera a possibilidade de que o tempo ou o clima foi a causa, mas o lindo sol da tarde empurra esse pensamento para o lado. A probabilidade de vários automóveis estarem simultaneamente com problemas mecânicos parece infinitamente pequena, então ele também não leva em conta essa hipótese. Ele continua a ponderar a questão e, finalmente, pergunta a si mesmo se os motoristas daquela bela cidade tiveram um surto de psicose ou uma ilusão em massa. As probabilidades disso também parecem muito baixas.
Enquanto seu cérebro desperta lentamente, ele se depara com o provável culpado: algo deve estar errado com os semáforos. Ele conclui que as luzes não estão funcionando, deixando os motoristas sozinhos para descobrir como negociar os cruzamentos por conta própria. Isso não iria, ele se pergunta, causar muitos acidentes? Ele direciona-se para a sua mulher e sugere esta explicação. Ela responde: “Se você chegasse a um semáforo e visse que não estava funcionando, você não iria diminuir a velocidade e proceder com muita cautela? De fato, depois do furacão Katrina, as pessoas em Nova Orleans não trataram semáforos quebrados como vias com quatro-paradas, sem direção explícita?” Nosso colega reconhece perspicácia de sua esposa e continua a ponderar.
Logo ele pensa: não é que os semáforos não estavam funcionando completamente mas que eles todos estavam verdes. Se todos os sinais estavam verdes, os motoristas não teriam nenhuma razão para pensar que os sinais não estavam funcionando e continuariam em frente em cada cruzamento – resultando em centenas de acidentes. Nosso personagem imaginário percebe que o sinal verde não significa apenas “ir”, também significa que o cruzamento está liberado. É assim que os semáforos fazem o seu trabalho de coordenação dos planos de motoristas em ambas as ruas.

Motoristas imprudentes são os culpados

Nosso personagem começa a assistir a cobertura dos acidentes na TV, onde os comentaristas colocam a culpa das batidas no comportamento irracional e irresponsável dos condutores. Ele pensa: “Isso não é justo. Eles não agiram irracionalmente; eles simplesmente responderam razoavelmente a um sinal cujo significado compreendem muito bem .” Enquanto fica mais irritado com a culpa sendo colocada nos motoristas, ele percebe que a irracionalidade que causou os acidentes não estava nos agentes, mas sim nos sinais de trânsito. Quando os sinais de trânsito não dizem a verdade, neste caso que os cruzamentos estão livres, mesmo o mais racional e cauteloso motorista vai entrar em acidentes nos cruzamentos. Ele fica atordoado pois os comentaristas da TV não veem isso. Em desespero, ele volta a dormir, esperando que tudo fosse um sonho.

Não só não era um sonho como era a realidade do “boom” (expansão) pós-2001 que gerou a crise financeira atual e Grande Recessão. O economista austríaco Israel Kirzner usa há muito tempo semáforos como analogia para os preços. No caso do “boom and bust” (expansão e retração), o preço-chave foi a taxa de juros. Em um mercado livre, as taxas de juros e o sistema bancário coordenam os planos do cruzamento entre credores-poupadores e mutuários-gastadores. Se a poupança aumenta, significa que os consumidores estão mais dispostos a esperar pelos bens e pelas compras. As suas poupanças levam os bancos a oferecerem taxas de juros mais baixas, fornecendo um “sinal de trânsito” (e um incentivo) para os mutuários tomarem mais empréstimos para projetos de longo prazo, que correspondem com a maior paciência dos consumidores. Se os consumidores estão mais impacientes e poupam menos, os bancos aumentam as taxas, levando os mutuários a se guiarem por um prazo mais curto para atender a essa preferência. O comportamento de cada lado é coerente com o outro, graças ao papel de semáforo da taxa de juros.

A adulteração do Banco Central

Quando os Bancos Centrais intervêm, todos os sinais ficam verde. A política monetária expansionista fornece fundos emprestáveis aos bancos, que lhes permite taxas mais baixas como se houvesse mais poupança disponível. No entanto, essa a poupança é uma ilusão; os consumidores ainda não se tornaram mais pacientes. Com taxas mais baixas, mutuários acham os projetos de longo prazo mais rentáveis e assim desviam recursos para eles e longe dos outros de prazo mais curto. O problema, é claro, é que os consumidores não desejam esperar mais tempo do que antes. Assim, os produtores-mutuários investem em projetos de longo prazo, enquanto consumidores-poupadores continuam querendo aqueles de prazo mais curto. Isto, como os semáforos com os sinais quebrados, não é sustentável e, eventualmente, acabará por levar ao equivalente econômico de acidentes de carro: o começo de uma recessão enquanto esta descoordenação é revelada.

Claro que economias robustas podem mascarar esta descoordenação subjacente por um tempo bastante longo antes dela ser revelada. Uma cidade que sofre com uma praga de sinais verdes em todos os semáforos tem um resultado mais imediato e visível.

Assim como os motoristas, os tomadores de empréstimo (mutuários) não estavam agindo irracionalmente durante o “boom” (expansão). Eles simplesmente responderam racionalmente a um sinal irracional. A fonte desse sinal irracional era o Sistema da Reserva Federal (Federal Reserve) ou qualquer outro Banco Central. A próxima vez que algum amigo seu botar a culpa dos altos e baixos da economia nos investidores irracionais, você pode recordar da cidade do nosso protagonista e dizer: “A irracionalidade, querido amigo, não está em nossos mercados, mas no nosso governo, ou seja, o banco central.”

Publicado originalmente em The Freeman Online.

Lino M. Gill é graduando em Ciências Econômicas na Universidade de Brasília e atualmente é estagiário do OrdemLivre na sede da Atlas Network, em Washington, D.C.

Sobre o Autor

Steven G. Horwitz é economista da St. Lawrence University..

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