Em busca de um toque feminino na política norte-americana
Luisita Lopez Torregrosa - Herald Tribune
No momento em que muitas mulheres nos Estados Unidos estão se sentindo acossadas devido às ameaças dos conservadores de impor restrições ao direito ao aborto e até mesmo aos métodos contraceptivos, a nova agência ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres) está comemorando o seu primeiro ano, e centenas de organizações e ativistas se reúnem aqui em Nova York para a terceira reunião anual Women in the World (As Mulheres no Mundo).
Segundo Tina Brown, uma das fundadoras da fundação Women in the World e editora das revistas “Newsweek” e “The Daily Beast”, o movimento das mulheres tem um caráter global. De fato, observa ela, “atualmente, grande parte do movimento está ocorrendo em nações emergentes”, em lugares como Uganda ou o mundo árabe.
“Elas enfrentam desafios que nós mal podemos imaginar”, diz Brown. “Enquanto isso, as mulheres norte-americanas têm passado por um período terrível. A dignidade delas está sendo atacada e os direitos que elas conquistaram há muito tempo correm riscos. O que temos visto nos Estados Unidos é uma vergonha. As mulheres norte-americanas estão tendo agora que olhar para outros países em busca de inspiração”.
Durante três dias nesta semana, lideranças femininas como a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Rodham Clinton, e a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, bem como mulheres que moram em vilas distantes e que têm histórias de luta e coragem, serão o centro das atenções.
Essas histórias soarão notavelmente familiares para Michelle Bachelet, diretora-executiva da ONU Mulheres e ex-presidente do Chile, que conhece por experiência própria essa luta global. Da sua plataforma nas Nações Unidas, Bachelet supervisiona representações em 75 países, desempenhando um papel importante na melhoria da qualidade de vida de milhões de mulheres.
“Os maiores desafios são garantir a participação política e o empoderamento econômico, bem como acabar com a violência contra as mulheres”, declarou recentemente Bachelet em uma entrevista à imprensa.
Nenhum país escapa. Segundo Bachelet, até mesmo os países mais avançados, nos quais mulheres foram eleitas presidentes ou primeiras-ministras, candidatas do sexo feminino ainda são alvo de piadas e comentários sexistas, as diferenças salariais persistem e há um número insuficiente de mulheres ocupando cargos públicos e empresariais de importância.
As quotas para mulheres nas áreas empresarial e política são relativamente comuns. No entanto, as leis de quota eleitoral para as candidatas do sexo feminino não parecem ter tornado mais fácil a trajetória das mulheres na América Latina, onde pelo menos 14 países adotam tais quotas.
Mas existe um paradoxo nisso. Lideranças ou chefes de Estado do sexo feminino não são raras na América Latina. Atualmente, as mulheres ocupam a presidência em três países – Brasil, Argentina e Costa Rica – e 50% delas são filiadas a partidos políticos, mas apenas 19% ocupam cargos importantes.
A Argentina e a Costa Rica são avançadas sob esse aspecto, mas é Cuba que lidera nesta categoria, apesar de não possuir quotas. Já o Brasil não ocupa boa posição, apresentando um desempenho abaixo da média, algo que poderá melhorar sob a liderança de Dilma Rousseff (as quotas seriam mal recebidas nos Estados Unidos, onde as mulheres detêm apenas 16% das 435 cadeiras na Câmara dos Deputados, e 17% das 100 cadeiras do Senado).
“A participação política das mulheres é algo de extrema importância”, diz Bachelet. “Isso não apenas é o correto sob o ponto de vista ético, mas também é uma forma de criar melhores democracias, além de se constituir em uma oportunidade para injetar ar fresco e novos tipos de liderança na política. Para mim, a melhor democracia é aquela na qual as mulheres não contam apenas com o direito de votar, mas também o de serem eleitas”.
Mas há obstáculos que conspiram contra as mulheres. Existe a chamada economia de trabalhos domésticos, que ainda espera que as mulheres tomem conta das crianças, dos idosos, do marido e da casa. E além disso há a ambição.
“Não é que as mulheres sejam menos ambiciosas”, diz Bachelet. “Mas elas desejam encontrar um equilíbrio entre o trabalho, o amor e a família”.
Quando um homem é dedicado ao seu trabalho ou à política, ele é respeitado, mas quando a mulher faz a mesma coisa e tem filhos, ela é considerada uma má mãe.
“Portanto, existem expectativas culturais, demandas e, eu diria, até mesmo algumas punições sociais para as mulheres que fazem tais escolhas”, afirma Bachelet.
Em algumas partes do mundo, essa situação é ainda pior. “Nesses locais, as mulheres não têm direitos de cidadãs”, diz Bachelet. “Elas não têm direitos à terra. As mulheres não podem ser vistas sozinhas na rua com um homem. Algumas mulheres têm ácido lançado nas suas faces porque não aceitam propostas de casamento, ou são assassinadas por não darem a luz a uma criança do século masculino. Nesses países, alguns pais vendem a filha por dinheiro ou sexo”.
E mulheres e garotas representam 80% dos indivíduos traficados como escravos sexuais ou tradicionais.
“As mulheres se constituem frequentemente em uma sociedade invisível”, diz Bachelet.
Bachelet, agnóstica e socialista, uma mãe solteira de três filhos que sobreviveu à prisão e ao exílio na era Pinochet, tinha pouca chance de conquistar a presidência no Chile, um país conservador e católico. Ela se recorda de que as pessoas diziam: “Ela é muito boa pessoa, mas não é capaz, e não tem o caráter necessário para ser presidente”, e coisas piores.
Assim, quando Bachelet foi eleita a primeira mulher presidente do Chile, em 2006, ela decidiu criar um governo igualitário. Isso fez com que as políticas e a cultura chilenas fossem remodeladas, e quando o mandato dela chegou ao fim, em março de 2010, o seu índice de popularidade era de 70%. Atualmente ela visita o Chile discretamente, a fim de não fazer com que aumentem os boatos, que Bachelet nega, de que ela disputará a eleição presidencial de 2014.
Por ora, ela se dedica a um problema que é às vezes frustrante e exaustivo. “Nós avançamos”, afirma Bachelet. “Estamos mais conscientes no campo social, e certamente a situação atual é bem melhor do que há dez anos. Não haverá retrocessos, mas isso não é suficiente”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário