O mal-estar entre a Europa e o Cone Sul
Jamil Chade - OESP
Em um discurso dedicado à América Latina na terça-feira, o comissário de Comércio da Europa, Karel de Gucht, explicitou a frustração atual que domina a relação entre os dois lados do atlântico e faz ameaças abertas de que o protecionismo de países como Brasil, Argentina e outros será respondido com todas os instrumentos que a Europa tiver ao seu dispor. De Gucht deixou claro a existência de relações históricas entre os dois continentes. Mas escancarou que o relacionamento hoje passa por uma crise e vive um verdadeiro mal-estar.
“Esse é um tempo de otimismo, mas também de preocupação sobre o futuro da América Latina e sua relação com a UE”, disse o europeu, atacando a nacionalização pela Argentina da YPF e as medidas protecionistas brasileiras. “As escolhas que fizermos hoje determinarão o cursor nas próximas décadas”.
Os europeus não escondem que a região é hoje uma das principais promessas de lucros para as combalidas empresas do Velho Continente, que sofrem para ver suas vendas aumentarem nos países ricos. Em 2011, o comércio entre as duas regiões chegou a 212 bilhões de euros, 15% acima do volume de 2008, antes da crise.
Não por acaso, o principal ataque de Bruxelas se refere ao comportamento protecionista do Brasil, Argentina e outros governos da região. Para a Europa, esse protecionismo está levando a região a um isolamento da cadeia produtiva de alto valor agregado. Segundo ele, a região latino-americana de fato cresceu nos últimos anos. Mas grande parte dessa expansão estaria relacionada à alta dos preços das commodities. Para ele, países precisarão buscar formas de diversificar suas economias se quiserem continuar a se desenvolver.
De Gucht insiste que isso só ocorrerá se a região mantiver suas fronteiras abertas às importações. “A prosperidade vai depender do grau de integração dessas economias”, alertou, apontando para os riscos inflacionários de manter o crescimento dependente da venda de matérias-primas.
Moeda – O europeu também mandou um duro recado ao Brasil. O governo de Dilma Rousseff defendeu na OMC a criação de uma espécie de salvaguardas que poderiam ser aplicadas contra importações cada vez que a valorização cambial resultar em um fluxo de bens do exterior.
Para Bruxelas, a culpa pela valorização do real, de 29% desde 2007, é apenas do Brasil. Na avaliação de De Gucht, o que ocorre com o real não está ligado ao “tsunami financeiro” que Dilma acusa a Europa de promover com a injeção de dinheiro nos mercados, com a injeção de 1 trilhão de euros.
Segundo Bruxelas, o fator que está gerando uma pressão sobre o real é a diferença de taxas de juros cobradas no Brasil, em comparação às da Europa, atraindo capital. Para o europeu, de fato o fluxo de capital ameaça “desestabilizar”economias. Mas o motivo é a altas taxas de juros cobradas no Brasil, criando incentivos para que o capital europeu busque lucros no mercado brasileiro. Na avaliação de De Gucht, é isso que tem feito as exportações de manufaturados e serviços do Brasil “menos competitivas”.
Protecionismo – A UE fez questão de atacar ainda a nacionalização da YPF pela Argentina, lembrando que essa era “justamente o tipo de medida que precisava ser evitado”, alertando que a iniciativa irá afastar investimentos do país. “Ao tomar essa ação, a Argentina mandou ondas de choques pela comunidade internacional e as consequências para seu desenvolvimento econômico serão sentidos por muito tempo”, alertou. “Posso garantir que faremos tudo que estiver em nosso poder para apoia o governo espanhol a conseguir total compensação”, declarou.
Se os ataques a Buenos Aires foram duros, Bruxelas lamenta que esse protecionismo não se limita aos argentinos. “Essas medidas não ajudarão os países que as aplicam”, declarou. “Elas afetam cadeias de fornecimento, alimentam um setor produtivo não competitivo e freiam investimentos”, disse.
De Gucht ainda alertou que cada nova medida adotada pela região está sendo avaliada pelo bloco e que a UE “não hesitará” em usar ”todas as ferramentas” que tiver a seu dispor para garantir a abertura dos mercados, inclusive recorrer à OMC. “O pior que qualquer governo pode fazer na região é de abandonar mercados abertos e regra da lei”.
China – Outro alerta da Europa se dirige à relação do Brasil e outros latino-americanos com a China. Nos últimos anos, empresas europeias perderam parte do mercado da região justamente para concorrentes chineses. Segundo Bruelas, apesar de lucrativo para o setor de matéria prima, o comércio brasileiro com a China está impedindo uma maior industrialização do País.
“O aumento dramático de exportações da China está afetando as exportações de manufaturados da América Latina”, alertou De Gucht. “Podemos ver isso concretamente na evolução do comércio entre o Brasil e a China”,disse. “Em 2000, menos de 50% das exportações brasileiras para a China eram de produtos primários. Em 2010, essa taxa chegou a 80%. Isso certamente beneficiou a economia brasileira, mas não contribuiu para a meta importante de subir na cadeia de valor agregado”, alertou.
Em crise, com dez governos já tendo de pedir sua demissão em dois anos e com várias economias em recessão, os europeus sabem que poucas vezes precisaram tanto da América Latina como agora. Mas, justamente nesse momento, terão de enfrentar uma nova realidade na região e na economia mundial.
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