sábado, 28 de abril de 2012

Eu sou neguinha, eu sou neguinha.
Gustavo Nogy - MSM
Acabar com o racismo passa por não admitir a ideia de raça, e não por fazer uma raça prevalecer sobre outras.
O BRASIL TEM DE ACERTAR uma certa conta com os negros, é o que dizem. Eu acho muito bem. Calote é coisa feia, estou de acordo. Só uma coisinha: o Brasil, me desculpem, não sou eu. Não conheço tal sujeito e, ao que me consta, ninguém conhece. Brasil é o nome (feio) que se dá a certo território cujos habitantes (índios, negros, morenos, brancos, amarelos) falam determinada língua e cantam (pessimamente) determinado hino. Brasil, como toda nação, é uma entidade ficcional que, por convenção (e não só, mas também porque é melhor não mexer com o tal do “detentor do monopólio da força”) nós aceitamos como coisa real. Como se houvesse braços e pernas no Brasil. Como se houvesse coração e vísceras. Como se houvesse cérebro, razão e vontade. No Brasil.
Quando se fala, portanto, que o Brasil tem de pagar a conta de um grupo qualquer de pessoas (habitantes aqui do Brasil mas que, estranhamente, nesse caso, é como se não fossem Brasil, senão eles próprios teriam de arcar também com os custos), o que, de fato, isso quer dizer é, simplesmente: você, eu, o João, o José, a Maria teremos todos de pagar a conta. Compulsoriamente. Os impostos vão subir, os encargos e as taxas, e é assim que o Brasil, aspas, salda suas dívidas (enquanto contrai outras): forçando-nos a pagá-las por “ele”. Ah, Brasil, seu espertão.
O interessante é que as mesmas pessoas tão dispostas a aceitar que o Brasil (na prática, nós todos, cercados aqui dentro) tem uma certa dívida a ser quitada com tais ou quais grupos não me parecem tão dispostas a aceitar uma solução muito mais razoável e benemérita: adotar um universitário negro (ou índio, ou branco, ou amarelo, ou ministro do supremo). Mecenato. Todo mundo há de ter um vizinho menos favorecido por tal entidade chamada Brasil. Pois bem: assumam a educação desse pobrezinho. Ao menos uma parcela da educação. 20%. Que acham?
Agora, dívida por dívida, a África negra tem uma dívida com os negros. Os europeus compravam os negros já escravizados por negros doutras tribos. Se se considerar esse tipo de raciocínio - temos uma dívida com esses ou aqueles - a dívida remontará aos faraós (negros, também). No mais, o Brasil?... Quem, exatamente, chamamos de Brasil? Os portugueses colonizadores dos quais eu, particularmente, não descendo? Que os portugueses - lá em Portugal - assumam a conta, pois. Mas isso não se pode fazer, não é mesmo? Dirão: “Oras, mas você descende sim - considerando essa nação tão miscigenada - dos portugas”. É mesmo? Pois também descendo dos negros, então (não adoram alegar isso: que todo mundo é um tanto negro no Brasil?); logo, quero minha parte em dinheiro. Mas também quero indenização da senhora Alemanha porque meus ascendentes húngaros ("polacos", quando chegaram) tiveram de sair para qualquer lugar por conta do nazismo, e chegaram aqui exilados e pobres como Jó. E essa brincadeira não tem fim.
Acabar com o racismo passa por não admitir a ideia de raça, e não por fazer uma raça prevalecer sobre outras. Se os negros querem porque querem afirmar o orgulho pela sua raça, nada mais justo que todos os outros - de índios a caucasianos - assumam o orgulho pelas suas. E daí prevalecerá o mais forte.
Belo trabalho o do supremo (me recuso, motivos óbvios, à maiúscula): em uma semana o estado considera que os mais desprotegidos dos seus cidadãos não devem receber amparo e segurança jurídica precisamente por não serem aptos ao exercício pleno de suas faculdades e, em contrapartida, cerca de proteções outros membros crescidinhos, organizados e fortes o suficiente para fazer valer seus valores de cultura e raça. Sinal dos tempos.

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