Venezuela ainda sofre com o abastecimento de comida, apesar de ser maior produtor de petróleo
William Neuman - NYT
Às 6h30 da manhã, uma hora e meia antes da abertura do mercado, aproximadamente duas dúzias de pessoas já estavam na fila. Elas aguardavam pacientemente, não pelo mais recente iPhone, mas por algo bem mais básico: mantimentos.
"O que quer que eu consiga", disse Katherine Huga, 23, mãe de dois, descrevendo sua lista de compras. Ela deu um suspiro de resignação. "Você compra o que eles tiverem."
A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do mundo em uma época de preços altos de energia, mas a escassez de itens básicos como leite, carne e papel higiênico é uma parte crônica da vida aqui, frequentemente transformando o ato de realizar compras em uma tarefa que pode ou não dar certo. Alguns moradores organizam suas agendas em torno das entregas feitas uma vez por semana a lojas subsidiadas pelo governo como esta, fazendo fila antes do amanhecer para comprar um único frango congelado antes que o estoque acabe. Ou dois pacotes de farinha. Ou uma garrafa de óleo de cozinha.
A escassez afeta tanto pobres quanto ricos de forma surpreendente. Um supermercado no rico bairro de La Castellana contava recentemente com queijo e frango em abundância –até mesmo ovos de codorna– mas nenhum rolo de papel higiênico. Apenas alguns poucos pacotes de café restavam no fundo de uma prateleira.
Ao ser perguntado onde alguém poderia conseguir leite em um dia em que ele também estava fora de estoque, um gerente disse com sarcasmo: "Na casa de Chávez".
No coração do debate está o governo socialista do presidente Hugo Chávez, que impõe controles rígidos de preços que visam manter os alimentos e outros bens mais acessíveis aos pobres. Eles são frequentemente os produtos mais difíceis de encontrar.
"A Venezuela é um país rico demais para passar por isto", disse Nery Reyes, um funcionário de restaurante de 55 anos, do lado de fora de uma loja subsidiada pelo governo no bairro de classe operária de Santa Rosalia. "Eu perdi meu dia aqui na fila para comprar um frango e um pouco de arroz."
Por muito tempo um dos países mais prósperos da região, com um setor manufatureiro sofisticado, agricultura vibrante e empresas fortes, muitos cidadãos venezuelanos acham difícil de aceitar tanta escassez. Mas em meio à prosperidade, a desigualdade entre ricos e pobres era extrema, um problema que Chávez e seus ministros dizem estar tentando eliminar.
Eles culpam o capitalismo desenfreado pelos males econômicos do país e argumentam que os controles são necessários para segurar os preços em um país onde a inflação subiu para 27,6% no ano passado, uma das taxas mais altas do mundo. Eles dizem que as empresas causam a escassez de propósito, mantendo os produtos longe do mercado para pressionar pela alta dos preços. Neste mês, o governo obrigou cortes nos preços de sucos de frutas, pasta de dente, fraldas descartáveis e mais de uma dúzia de outros produtos.
"Nós não estamos pedindo para que tenham prejuízo, apenas para que ganhem dinheiro de modo racional, que não roubem as pessoas", disse Chávez recentemente.
Mas muitos economistas consideram um caso clássico de o governo causando um problema em vez de resolvê-lo. Os preços são estabelecidos tão baixo, eles dizem, que as empresas e produtores não conseguem ter lucro. Assim os produtores rurais produzem menos alimentos, os fabricantes reduzem a produção e o comércio mantém estoques menores. Além disso, parte da escassez vem de setores, como café e leite, onde o governo nacionalizou as empresas e agora as administra, dizendo ser de interesse nacional.
Em janeiro, segundo um índice de escassez compilado pelo Banco Central da Venezuela, a dificuldade de encontrar itens básicos nas prateleiras das lojas estava no pior nível desde 2008. Apesar de a situação ter melhorado consideravelmente de lá para cá, muitos produtos ainda são difíceis de encontrar.
A Datanalisis, uma empresa de pesquisa que monitora regularmente os itens em escassez, disse que o leite em pó, um item básico aqui, não pôde ser encontrado em 42% das lojas visitadas pelos pesquisadores no início de março. Leite líquido é ainda mais difícil de ser encontrado.
Outros produtos escassos no mês passado, segundo a Datanalisis, foram a carne bovina, frango, óleo vegetal e açúcar. A empresa de pesquisa também disse que o problema é mais extremo nos mercados subsidiados pelo governo, que foram criados para fornecer alimento a preço mais baixo para os pobres.
Mas com uma inflação tão debilitante, muitos consumidores nessas lojas dizem que a inconveniência vale a pena.
"É uma ajuda enorme", disse Ana Lozano, 62, uma aposentada que passa roupa para complementar sua pensão, que aguardava do lado de fora do mercado em Santa Rosalia. "É por isso que a fila é tão grande."
O governo parece ciente da dupla ameaça de escassez e inflação ao se preparar para a eleição de outubro, em que Chávez buscará um novo mandato de seis anos. Os controles de preços foram defendidos em propagandas do governo e acompanhados por repetidas ameaças de Chávez de nacionalizar qualquer empresa que não consiga abastecer o mercado.
O vice-presidente Elías Jaua alertou contra uma campanha da imprensa para assustar os venezuelanos a estocarem itens básicos, o que poderia provocar escassez artificial. As propagandas do governo pedem aos consumidores para não sucumbirem às compras por pânico, usando uma exortação proverbial: o pão de hoje pode ser a fome de amanhã.
Francisco Rodriguez, um economista do Bank of America Merrill Lynch que estuda a economia venezuelana, disse que o governo pode marcar alguns pontos políticos com a nova rodada de controle de preços. Mas com o tempo, ele argumentou, eles serão um problema para a economia.
"Em médio a longo prazo, isso será um desastre", disse Rodriguez. Os controles de preços também significam que os produtos ausentes nas prateleiras acabarão surgindo no mercado negro a preços muito mais altos, uma fonte de ultraje para muitos. Para aqueles que apoiam o governo, isso é prova de especulação. Outros dizem que é consequência de uma política equivocada.
Emilio Ortiz, 52, um dono de loja, disse que só conseguiu comprar açúcar e leite em pó de seus distribuidores uma única vez no ano passado. Ele recebe óleo de cozinha uma vez por mês, mas apenas metade do que pede. Ele também disse que os lucros são tão baixos nos produtos controlados que ele precisa aumentar os outros preços para compensar.
Um de seus clientes perguntou se a loja tinha Harina Pan, que é considerada a marca local quintessencial de farinha para fazer arepas, os bolos de milho que são um item básico da dieta venezuelana.
"Não tem", disse Ortiz. Seria como um supermercado americano não ter Coca-Cola. O cliente perguntou se encontraria em outras lojas próximas. "Você não vai encontrar", disse Ortiz melancolicamente.
Se há um produto que a Venezuela deveria ser capaz de produzir em abundância é café, uma grande cultura aqui por séculos. Até 2009, a Venezuela era uma exportadora de café, mas ela começou a importar grandes quantidades de café três anos atrás para compensar o declínio da produção.
Produtores de café e torrefadoras dizem que o problema é simples: os controles de preços no varejo mantêm os lucros próximos ou abaixo do custo para cultivo e colheita do café. Em consequência, muitos não investem em novas plantações ou fertilizantes, ou reduzem a quantidade de terras usada para cultivo do café. Para piorar ainda mais, a safra recente foi ruim em muitas áreas.
Um grupo representando torrefadoras de pequeno e médio porte disse no mês passado que não restava café doméstico no mercado atacadista, com os líderes do setor dizendo que nunca antes os estoques se esgotaram tão cedo no ano. O grupo anunciou um acordo com o governo para compra de grãos importados para continuar abastecendo o mercado.
Problemas semelhantes ocorrem com outros produtos agrícolas com preços controlados, como queda da produção e aumento da importação de carne bovina, leite e milho.
Aguardando na fila para comprar frango e outros itens básicos, Jenny Montero, 30 anos, lembrou de como não conseguia encontrar óleo de cozinha no final do ano passado, de modo que teve que abandonar os alimentos fritos que prefere por sopas e cozidos.
"Foi bom para mim", ela disse ironicamente, empurrando sua filha de 14 meses em um carrinho. "Eu perdi vários quilos."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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