Eleições do Egito correm grande risco de se tornar tragicomédia
Wendell Steavenson - Prospect
Se os egípcios ficaram confusos e desapontados com o vai e vem da disputa presidencial, há algum consolo no fato que, pela primeira vez em uma eleição presidencial árabe, ninguém sabe qual será o resultado da votação do dia 23 de maio. Por mais que seja divertido e engraçado ver este novo esporte de política egípcia (que tem um ano de idade e começa a engatinhar), a comédia está correndo perigo de se tornar uma tragicomédia. Como admitiu um amigo meu egípcio, comentador sábio, a jornalistas queridos que precisavam de uma citação, "Desisti da análise! Não há nada a fazer senão assistir".
Tendo afirmado por um ano que nunca lançaria um candidato presidencial, a Irmandade Muçulmana mudou de ideia no último minuto. Além disso, Omar Suleiman, chefe de inteligência do ex-presidente Hosni Mubarak, com bochechas fundas e a cabeça raspada de asceta, que parecia nunca ter sido fotografado sorrindo, jogou seu chapéu no círculo.
Depois, veio a notícia que a mãe de Hazem Abu Ismail tinha se tornado cidadã americana antes de morrer. O rosto sorridente de Abu Ismail, membro da seita ultraconservadora islâmica salafista, com uma grande barba branca e uma plataforma populista de religião e revolução, estava espalhado pela capital em cartazes de campanha. Hahaha, riram os liberais alegremente assistindo Ismail ser engolfado pelas manchetes. Uma mãe americana o desqualifica.
Rumores e teorias da conspiração estavam em toda parte. Os salafistas acreditavam que os americanos tinham desacreditado Abu Ismail porque eles temiam sua agenda anti-Ocidente. Um comício gigantesco de barbas se reuniu na praça Tahrir. A Irmandade achava que a candidatura de Suleiman era um complô do conselho militar governante para levar um homem forte militar de volta à presidência. Eles também fizeram um enorme comício em Tahrir. Os liberais temiam que o erro de cálculo da Irmandade os havia propulsionado para uma posição onde poderiam potencialmente controlar o Parlamento (eles são o maior partido, com 47% dos assentos). O comício dos liberais em Tahrir foi pequeno e prejudicado pelos salafistas, que derrubaram seu palco e desligaram seus alto-falantes.
Foi então que vieram novas manchetes. Eu estava com um amigo em um café lendo o Twitter, porque as notícias no Egito neste último ano são tão rápidas que os sites comuns não conseguem acompanhar. Meu amigo jogou as mãos para o céu. “Não aguento mais; tudo muda a cada hora!” A comissão eleitoral disse que estava desqualificando 10 candidatos. A primeira escolha da Irmandade, Khairat el-Shater, estava fora porque ele tinha sido condenado por Mubarak de participar de uma organização banida que não deixou de ser proibida. A mãe de Ismail era de fato americana, e o Ministério do Interior tinha documentos para prová-lo. Suleiman aparentemente não obteve o número mínimo de assinaturas exigidas para registrar sua candidatura.
A roda gira e surgem mais teorias: Suleiman nunca foi o candidato do conselho militar; ele e o marechal de campo Mohamed Hussein Tantawi, diretor do conselho e hoje praticamente o chefe do executivo do Egito, há muito se enfrentavam. O conselho militar estava desesperado para impedir uma possível presidência da Irmandade; se Suleiman tivesse que ser tirado para fazer parecer uma luta justa, então tudo bem. Suleiman era um cavalo empacado mesmo -com todo o armamento pesado fora da disputa, Amr Moussa, que foi ministro de relações exteriores de Mubarak e, mais recentemente, um ineficaz secretário-geral da Liga Árabe, poderia provar-se brando o suficiente para ser palatável para a maioria, mesmo que ele tenha pouco apelo direto para qualquer pessoa.
Contudo, tantas questões surgiram. Quem vai captar os votos salafistas? Como vai se sair o candidato plano B da Irmandade, Mohamed Morsy, que é uma personalidade desconhecida? Ele estaria concorrendo contra o islamista moderado Abdel Moneim Aboul Fotouh, médico com um ar gentil de avô, a quem a Irmandade expulsou de suas fileiras porque, ironicamente, ele tinha sido contra sua política de não lançar um candidato.
A disputa deixou de ser uma concorrência entre as duas principais potências da vida política egípcia, ou seja, os militares e a Irmandade. Qual seria a escolha agora? Um ex-membro do regime secular, um islamista moderado e um islamista um pouco menos moderado. Os eleitores terão que escolher entre um Estado civil e um Estado religioso ou entre a volta ao status quo e a chance de promover as aspirações da revolução?
Meu amigo no café é membro do Partido Social Democrático. O único candidato liberal que está concorrendo é um advogado de direitos humanos sem a menor chance. “Eu honestamente não sei em quem votar”, disse ele. Eu disse que minha preocupação era que todas aquelas desqualificações significariam a perda de fé no processo eleitoral; que os egípcios suspeitariam que as regras tinham sido manipuladas.
Se nenhum candidato conquistar a maioria no primeiro turno, haverá um segundo turno entre os dois primeiros. Isso provavelmente significa uma disputa entre um islamista e Moussa. Nos entreolhamos. Então, quem vai vencer? “Moussa”, dissemos em uníssono. Tranquilo, o barco segue, a vida continua normal, as autoridades permanecem em seus escritórios, os militares mantém seu status de Estado dentro do Estado. Nada muda. Essa era a teoria mais desanimadora de todas. Caímos em silêncio e pedimos outra cerveja.
* Wendell Steavenson é editor associado do "Prospect" e autor de "The Weight of a Mustard Seed".
Tradutor: Deborah Weinberg
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