segunda-feira, 23 de abril de 2012

PIOR SEM ELES

Viúvas da América
Marcelo Coutinho - FSP
Nosso tempo parece o século 19 sem o Congresso de Viena. Poucos veem que, acabando a hegemonia dos EUA, pode ir junto a liberdade. Veja a China
Em "Liberal Leviathan", o professor de Princeton John Ikenberry sugere que os EUA de Obama almejam reformar as instituições internacionais preservando a sua liderança.
Se isso não ocorrer, diz o autor, restariam duas possibilidades: a sociedade global multipolar, sem impérios, ou a fragmentação global, com o fim do sistema internacional aberto e guiado por regras.
O mundo caminharia, assim, sobre uma tênue linha entre o paraíso e o inferno.
Toda a vida social do planeta dependeria, antes de tudo, de uma solução para essa encruzilhada.
Há motivos de sobra para se questionar o comando americano. Afinal, os EUA foram responsáveis por episódios lamentáveis, a começar pela América Latina. Na primeira oportunidade, lá está Washington cometendo abusos e fazendo nos lembrar porque despertam tanta rejeição.
Mas poucos se dão conta de que, junto com a hegemonia americana, outras coisas também podem ruir.
As liberdades políticas e econômicas, os direitos humanos, o multilateralismo e a própria ONU sobreviveriam sem os Estados Unidos? Convém evitar respostas fáceis neste momento.
Qualquer ordem internacional depende em grande medida do seu criador. Não há motivos para se imaginar que agora seja diferente.
As duas últimas grandes guerras ocorreram em contextos sem um "hegemon". Por outro lado, as experiências de equilíbrio de poder anteriores não são lá muito simpáticas também.
Aliás, a ordem do século 21 está cada vez mais parecida com a ordem do século 19, mas sem Congresso de Viena.
As teorias que tentaram se contrapor à estabilidade hegemônica ora acreditam nas instituições, ora na mudança comportamental. Um mundo feito de mais democracias, integração econômica, regimes internacionais e identidades kantianas pode, pela primeira vez, viver em paz sem um centro de governança. Apesar de tentador, esse mundo sui generis tão bonito pode não se realizar.
Muita coisa pode dar errado mesmo quando se compartilha objetivos e sentimentos iguais -mais ou menos como no fim trágico de Romeu e Julieta na ficção shakespeariana.
Em que pese a realidade, as teorias realistas não devem impedir que o mundo avance. Talvez o que os EUA tenham a oferecer ao Brasil seja insuficiente. Nesse caso, é preciso ter paciência. Aumentar a dependência com a China é péssima saída, ainda mais com isso acontecendo antes de Pequim se engajar definitivamente à ordem liberal.
A desindustrialização impede que o Brasil seja um país mais desenvolvido. Sendo assim, o melhor a fazer é buscar convergências. Somos superestimados por Brasília e subestimados pela Casa Branca. Algo precisa ser feito para diminuir essa distorção, porque ela gera desentendimentos.
A nossa política externa já esteve pior, mas ainda deve fazer a sua parte, sem complexo de vira-lata nem de superioridade.
Os EUA não são mais os mesmos. E todo mundo sabe disso. O que se falta conhecer é quantos sentirão saudades da América quando o mundo não tiver mais quem pague os custos de uma ordem que, como nenhuma outra, deu mais diretos às mulheres, aos povos e aos mais fracos frente ao poder.
Desatento, o Brasil corre risco de também virar uma dessas viúvas da superpotência.
MARCELO COUTINHO, 37, é professor de relações internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro)

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