Declaração de funcionária do governo alemão contra casamento gay provoca revolta na internet
Der Spiegel
Em comentários publicados em jornal conservador alemão, funcionária do governo pediu que seu partido defendesse o casamento e a família
Katherina Reiche imaginava estar apenas reiterando a posição pró-família tradicional de seu partido. Mas os comentários feitos por ela esta semana sobre o casamento gay provocaram uma enxurrada de protestos. De fato, a fúria pela Internet atingiu tamanha dimensão que Reiche tirou do ar sua própria página no Facebook.
Em comentários publicados na edição da última terça-feira (21) do jornal “Bild”, Reiche pediu ao seu partido, a União Democrata Cristã (CDU) de centro-direita, que defendesse as instituições do casamento e da família. “Nosso futuro está nas mãos da família, não nas uniões civis de mesmo sexo”, ela disse, em reação a um debate recente na Alemanha sobre os direitos de casais de gays e lésbicas nas uniões civis. “Depois da crise do euro, a mudança demográfica é a maior ameaça à nossa prosperidade”, ela acrescentou, em uma referência à expectativa de que a baixa taxa de natalidade da Alemanha faça a população encolher dramaticamente nas próximas décadas. A CDU, ela disse, “deve dizer claramente que defende a família, os filhos e o casamento”.
Desde que os comentários de Reiche foram publicados, ela se tornou alvo de ataques nos fóruns de Internet, com os usuários a chamando de “homofóbica” e “pregadora do ódio contra os homossexuais”. Apesar de ter tirado do ar sua própria página no Facebook, após uma enxurrada de comentários, uma nova página no Facebook chamada “Sem Futuro com Katherina Reiche” recebeu mais de 6 mil “gostei” em um dia após ter sido criada. Uma carta aberta para Reiche na página dizia: “Seus comentários são um tapa na cara de todas as famílias que não correspondem às suas normas tradicionais”.
Mas os comentários de Reiche não são os únicos provocando a ira dos usuários de Internet alemães nesta semana. Um editorial no tabloide “Bild” na quinta-feira (23), escrito pelo antigo comentarista – e ex-editor-chefe do jornal – Franz Josef Wagner, provocou uma onda própria de ultraje. Em um editorial na segunda página, ele escreveu: “O Ministério da Justiça deseja tornar as uniões civis iguais aos ‘Casamentos-Papai-Mamãe-Bebê’. (...) Isso me deixa nauseado”. Ele prosseguiu: “Antes, os homossexuais eram sentenciados a penas de prisão. Que tempos gloriosos para você. Ninguém mais prende você, você pode amar seus parceiros e você é autorizado a amá-los”. A sugestão é clara: fique feliz por poder viver a vida fora da prisão.
Além de notar que os gays na Alemanha não apenas eram presos no passado, mas também assassinados em campos de concentração como Sachsenhausen, Christian Mentz, o editor da “Siegessäule”, uma revista de Berlim voltada para gays e lésbicas, também escreveu: “Eu não apenas fico enojado, eu quero vomitar quando penso em gays e lésbicas, incluindo aqueles que têm responsabilidade de criar filhos, lendo suas palavras”.
‘Indo longe demais’
Mas grande parte dos comentários nesta semana se concentrou em Reiche. Em uma declaração publicada na terça-feira, a Federação de Gays e Lésbicas da Alemanha (LSVD) criticou Reiche e outro membro conservador do Parlamento por seus comentários. “Por dias, políticos conservadores estão polemizando contra gays e lésbicas de modo inaceitável, em uma linguagem que normalmente esperamos apenas de populistas e extremistas de direita”, dizia a declaração.
Reiche também enfrentou críticas de dentro de seu próprio partido. “Não denigra indiretamente a mim e à minha vida como uma ‘ameaça à nossa prosperidade’”, escreveu Jens Spahn, um membro do Parlamento pela CDU, no Twitter. “Isso está indo longe demais.” A ala jovem da CDU no distrito eleitoral de Reiche, em Potsdam, perto de Berlim, também expressou sua “indignação com os comentários” em uma declaração. “A visão de mundo humanista da sra. Reiche parece terminar na cerca de seu próprio jardim”, disse Tino Fischer, chefe da ala jovem de Potsdam, em comentários para o jornal “Märkische Allgemeine” de Potsdam.
Reagindo às críticas, Reiche disse ao “Bild” que “aquelas pessoas que mais clamam por tolerância são claramente as mais intolerantes”.
Os comentários foram feitos dentro do contexto do recém-inflamado debate na Alemanha sobre as uniões civis para casais gays e lésbicos, coloquialmente tratado como “casamento gay”. Apesar da CDU e de seu partido irmão bávaro, a União Social Cristã (CSU), não terem buscado derrubar a legislação de união civil, que entrou em vigor em 2001, ambos são conhecidos por sua mensagem em prol dos “valores tradicionais da família” e por buscar preservar um status especial ao casamento heterossexual.
Divisão nas uniões civis
Mas está claro que a CDU está dividida em torno da questão das uniões civis. Um grupo de legisladores da CDU lançou recentemente uma iniciativa para conceder aos casais em uniões civis os mesmos benefícios de declaração conjunta de imposto de renda que os desfrutados pelos casais heterossexuais casados. A ministra da Família alemã, Kristina Schröder, da CDU, também manifestou recentemente seu apoio às uniões civis. “Nas parcerias de vida lésbicas e gays, as pessoas assumem uma responsabilidade duradoura uma pela outra, vivendo assim de acordo com os valores conservadores”, ela disse. Na quarta-feira (22), o jornal “Süddeutsche Zeitung” noticiou que o Ministério da Justiça alemão, que é controlado pelo parceiro menor da CDU na coalizão de governo, o Partido Democrático Livre pró-empresas, deseja reescrever dezenas de leis para incluir claramente os casais de mesmo sexo.
Observadores apontaram que Reiche, uma alta funcionária do Ministério do Meio Ambiente, também estava criticando indiretamente seu próprio chefe, o ministro do Meio Ambiente, Peter Altmaier, com seus comentários. Altmaier disse em entrevistas que está feliz vivendo sozinho e descreveu a si mesmo como “solteiro permanente” – provocando especulação na mídia alemã de que ele é um homossexual não assumido.
Os críticos de Reiche também apontaram para o fato de que a política de 39 anos também se afastou do modelo tradicional de família em seu próprio estilo de vida. Apesar de Reiche ser casada e mãe de três, dois de seus filhos nasceram fora do casamento.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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