Disputa por ilhas revela temor do Japão por ascensão da China
Martin Fackler - NYT
Quando a frota de 21 barcos de pesca chegou num arquipélago no centro de uma disputa territorial crescente com a China, os capitães alertaram as dezenas de ativistas e políticos a bordo a não tentarem ir para a terra.
Dez dos ativistas pularam de qualquer forma nas águas infestadas por tubarões, nadaram para a terra e espetaram a bandeira como sol nascente que evoca memórias dolorosas da marcha do Japão Imperial pela Ásia no século 20.
“Sentimos que eles nos arrastaram para um incidente internacional”, disse Masanori Tamashiro, capitão de um dos barcos que fizeram a viagem de oito horas até as formações rochosas inabitadas a nordeste daqui, chamadas de Senkakus no Japão e Diaoyu na China.
Esta sensação é compartilhada por muitos no Japão, onde um pequeno bando de nacionalistas pressiona o país para se afirmar de forma mais ousada para combater a ascensão econômica explosiva da China e da Coreia do Sul e as ambições territoriais chinesas que evoluem rapidamente.
Os nacionalistas ganharam tração para sua causa nos últimos meses tomando vantagem das fraquezas políticas do governo, obrigando o partido governista a tomar uma posição mais dura nas Senkakus.
Mas os ativistas também estão se valendo de uma ansiedade generalizada em relação à China, e a amargura resultante em relação às Senkakus já se tornou um ponto problemático internacional, gerando temores de que os Estados Unidos, antigos defensores do Japão, possam ser puxados para o conflito.
Os temores japoneses intensificaram há dois anos durante o último conflito pelas Senkakus, quando a China retaliou a prisão de um capitão de pesca por parte do Japão, deixando de fornecer as terras raras tão necessárias à indústria de eletrônicos japonesa, já em dificuldades. Esta ansiedade se tornou mais pronunciada nos últimos meses à medida que a China aumentou suas reivindicações no Mar do Sul da China, desafiando o Vietnã, as Filipinas e outros por conta de mais de 40 ilhas numa área vasta, e apoiando suas declarações com movimentos agressivos que incluíram enviar grandes barcos de patrulha para águas em disputa.
Ainda há pouco apetite no Japão pacifista por um confronto total com a China. Mas analistas dizem que o consenso está crescendo sobre a necessidade de o Japão se impor em relação à China uma vez que o poder na região parece estar escorregando do Japão economicamente fraco e dos Estados Unidos.
“Estamos todos nos preparando para um cabo-de-guerra internacional nesta região”, disse Narushige Michishita, um especialista em assuntos de segurança no Instituto Nacional Graduado para Estudos Políticos em Tóquio. “Sempre que a distribuição de poder muda de uma forma dramática, as pessoas começam a redesenhar as linhas.”
Isso é exatamente o que aconteceu no Mar do Sul da China, que já recebeu mais atenção internacional do que as batalhas territoriais do Japão. Mas os especialistas dizem que a guerra de vozes cada vez mais agudas entre o Japão e seus vizinhos no leste da Ásia, incluindo a China e a Coreia do Sul, é potencialmente mais explosiva. Diferente do Mar do Sul da China, onde o atrito se concentra na competição por recursos naturais, a disputa pelas ilhas do leste da Ásia diz mais respeito à história, e está enraizada numa raiva duradoura – e facilmente atiçada – contra a brutal dominação do Japão sobre seus vizinhos há décadas.
Essas emoções brutas foram externadas durante o final de semana, a medida que centenas e talvez milhares de chineses – em protestos que foram pelo menos tolerados pelo governo – foram para as ruas em várias cidades para denunciar as reivindicações do Japão sobre as ilhas.
“Os ricos são muito mais altos para o leste da Ásia porque há países maiores muito próximos, e os conflitos são mais diretos e emotivos”, diz Kent Calder, diretor do Centro Edwin O. Reischauer para Estudos do Leste Asiático na Johns Hopkins University.
A repercussão para os Estados Unidos também é potencialmente mais problemática, dizem analistas. Os Estados Unidos começaram a exortar o Japão e a Coreia do Sul a assumir mais uma parte do fardo da defesa contra a China e a Coreia do Norte, mas o último impasse dos países por causa das ilhas entre eles, conhecidas como Takeshima no Japão e Dokdo na Coreia, contribuiu para a decisão da Coreia do Sul de apoiar um acordo para compartilhar inteligência militar com o Japão.
Um risco ainda maior, embora mais remoto, para os Estados Unidos, dizem alguns analistas, é que eles podem ser arrastados para um conflito armado entre a China e o Japão, a quem ele é obrigado a defender por tratado.
“Há uma possibilidade real de, se a diplomacia falhar, haver uma guerra”, disse Kazuhiko Togo, ex-diplomata de carreira japonês que escreveu sobre a questão das ilhas.
A disputa atual entre o Japão e a China foi iniciada pelo governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, um antigo e eloquente defensor de temas conservadores. Na última primavera, ele disse que queria que Tóquio comprasse as ilhas de seu dono atual, um cidadão japonês, para defendê-las melhor conta a China. Pressionado para não parecer fraco antes das eleições, o primeiro-ministro Yoshihiko Noda logo disse que o governo central compraria as ilhas.
Isso desencadeou um toma-lá-dá-cá entre os ativistas de ambos os países. Primeiro, sete ativistas de Hong Kong desembarcaram na semana passada em Uotori, a maior das ilhas disputadas acabaram entre os 14 chineses presos pelo Japão e logo deportados. Os nacionalistas japoneses retaliaram desembarcando na mesma ilha no domingo. (Num sinal de como o círculo de ativistas japoneses é pequeno, um entre oito legisladores nacionais que se juntou à frota, Eriko Yamatani do Partido Liberal Democrata, de oposição, também participou de um episódio recente que ajudou a desencadear a última batalha entre a Coreia do Sul e o Japão por conta das ilhas disputadas.)
A frota saiu da ilha de Ishigaki, no extremo sul do arquipélago de Okinawa, que fica a cerca de 130 quilômetros das Senkakus.
Yoshiyuki Toita, um membro de 42 anos da assembleia municipal de Ishigaki, foi um dos poucos moradores locais que se juntou à expedição.
“O Japão chegou ao ponto de que precisa mudar”, diz Toita. “A era de apenas depender dos Estados Unidos se acabou.”
Mesmo assim, Toita concordou com a opinião corrente de que o Japão deveria aderir mais proximamente aos Estados Unidos. Ainda assim, o governo tomou pelo menos algumas medidas para mostrar sua própria disposição de peitar a China, principalmente reformulando sua estratégia nacional de defesa, que antes já havia se concentrado na União Soviética no norte, mas que agora se concentrará em se proteger da China ao sul. E uma pesquisa de opinião realizada em outubro passado pelo escritório do primeiro-ministro mostrou uma cautela crescente, com mais de 70% dos japoneses dizendo que não têm “sentimentos amigáveis” em relação à China.
Esses sentimentos já avançaram até aqui em Ishigaki, uma parte de Okinawa, onde um profundo pacifismo nasceu da raiva contra o fato de o Exército Imperial Japonês forçar civis a cometerem suicídio durante a 2ª Guerra Mundial, bem como da pesada presença de tropcas norte-americanas depois da guerra.
À medida que navios de guerra e barcos de patrulha se tornam algo mais frequente nas águas próximas daqui, alguns moradores das ilhas começaram a falar mais em apoio dos militares norte-americanos e japoneses, muito embora o sentimento contra as bases norte-americanas continue forte. Desde os acontecimentos de dois anos atrás quando a China cortou o suprimento de terras raras, o prefeito de Ishigaki, Yoshitaka Nakayama, começou a hastear a bandeira do sol nascente em frente à prefeitura pela primeira vez desde a 2ª Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo, Nakayama, 45, disse que valoriza o crescimento do comércio de sua ilha e as ligações turísticas com o mundo que fala chinês, especialmente com Taiwan, que também reivindica Senkakus.
Tamashiro, capitão do barco de pesca, expressou sentimentos similarmente conflitantes, embora tenha levado mais ativistas para ver as ilhas.
“Basicamente, os pescadores não querem que a política prejudique seu meio de vida”, disse Tamashiro. “Mas a US$ 4.500 por barco alugado, ir para Senkakus 'não é um dinheiro ruim.'”
Tradutor: Eloise De Vylder
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