Taleban usa estratégia histórica para combater forças de segurança no Afeganistão
Benjamin Jensen (*) - Herald Tribune
As guerras nem sempre são vencidas em batalhas decisivas. Muitas vezes elas se constituem em jogos estratégicos nos quais qualquer ação capaz de reduzir a disposição do adversário para o combate representa um avanço rumo à vitória. No Afeganistão, o Taleban está atacando exatamente a disposição de luta da comunidade internacional e do governo de Hamid Karzai ao sistematicamente infiltrar e minar as forças de segurança afegãs.
Esses ataques episódios conhecidos como “green-on-blue” (“verde contra azul”) - nos quais soldados e policiais afegãos disparam as sua armas contra os seus parceiros ocidentais de coalizão – não são incidentes isolados. Na verdade, tais ataques refletem uma estratégia do Taleban que está bastante enraizada na história afegã.
Desde o início do ano foram registrados 31 ataques do tipo “green-on-blue”, que resultaram em 40 mortes. O general Guenter Katz, um dos porta-vozes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), declarou recentemente à imprensa que esses ataques são, de forma geral, acontecimentos isolados provocados por desentendimentos pessoais, estresse e fadiga de combate.
Somente no caso dos Estados Unidos essa ameaça interna é responsável atualmente por um terço de todas as baixas. Os soldados norte-americanos correm um risco cada vez maior de serem mortos pelos parceiros afegãos que eles treinam e assessoram.
O aumento do número de ataques “green-on-blue” representa uma modificação profunda neste conflito. Os insurgentes estão perdendo terreno no campo de batalha. As suas bombas instaladas em ruas e estradas e os seus ataques de grande magnitude, embora ainda letais, não têm mais aquele efeito chocante que se via no passado. Sob uma pressão cada vez mais intensa, grupos como o Taleban estão buscando formas baratas de atacar a coalizão ocidental e as forças de segurança afegãs. Os ataques perpetrados por indivíduos infiltrados proporcionam aos insurgentes uma forma de preservar o seu poder de combate e, ao mesmo tempo, de empurrar as forças internacionais para fora do país.
Os ataques “green-on-blue” criaram uma barreira entre os assessores estrangeiros e os seus parceiros afegãos. Operações de infiltração acabam com a confiança dos militares ocidentais nos seus colegas afegãos. Os ataques fazem com que os assessores militares estrangeiros fiquem apreensivos e acabam por prejudicar a qualidade do treinamento. E as forças afegãs ficam paralisadas, já que os comandantes não podem confiar nos seus próprios subordinados. A população tem a impressão de que o seu exército é uma força comprometida. A guerra pela disposição de lutar transforma-se em uma luta pela sobrevivência.
O Taleban não precisa vencer no campo de batalha. O grupo precisa apenas que os países estrangeiros e a população afegã reduzam o seu apoio ao governo. Ao erguer uma muralha entre os parceiros da coalizão e destruir a confiança entre eles, o Taleban atinge esse objetivo. Movido pela necessidade, o inimigo está se adaptando.
Além do mais, a infiltração e a artimanha são características tradicionais do estilo de guerra afegão. A história afegã está repleta de casos de intrigas e ardis nos quais os adversários são minados de dentro para fora e grandes exércitos acabam definhando.
O assassinato de Nader Shah Afshar, o xá da Pérsia de 1688 a 1747, por membros do seu círculo interno de poder, levou o seu assessor próximo, Ahmad Shah Durrani, a fugir com forças leais e atacar tribos afegãs em Kandahar, onde eles formaram o Império Durrani, o predecessor do moderno Estado afegão. Na Primeira Guerra Anglo-Afegã (1839-1842), os britânicos apoiaram Shah Shuja para que este retomasse o poder do seu irmão, Mohammed Shah. Na Batalha de Maiwand, durante a Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880), um episódio bélico frequentemente mencionado nas propagandas do Taleban, os britânicos sofreram deserções maciças de soldados afegãos.
E a mesma tendência é evidente na história militar afegã contemporânea. As deserções em massa de unidades do exército afegão aliadas aos soviéticos eram comuns durante a jihad anticomunista. Durante a guerra civil afegã, as facções mudavam de lado constantemente para obter vantagens.
O comandante militar tribal uzbeque Abdul Rashid Dostum mudou de lado três vezes. Em 1996, Gulbuddin Hekmatyar, que combatia a Aliança do Norte, liderada por tajiques, acabou juntando-se aos seus ex-inimigos e combatendo o Taleban. Karzai convenceu vários líderes tribais que apoiavam o Taleban a participar da captura de Kandahar com o apoio da coalizão ocidental em 2001.
Tendo em vista este histórico, tratar os ataques “green-on-blue” como incidentes isolados significa desconhecer a gravidade da situação e a estratégia usada pelo Taleban. Os insurgentes estão minando as forças de segurança nacional afegãs de dentro para fora.
Um adversário que é mestre em se adaptar a novas situações adotou deliberadamente como alvo os laços de confiança penosamente estabelecidos entre os parceiros militares afegãos e ocidentais. E o primeiro passo para tratar essa doença é diagnosticar o problema.
(*) Benjamin Jensen é professor da Escola de Serviço Internacional da American University, em Washington, D.C., e do Comando e do Colégio de Oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Ele é também oficial da Guarda Nacional do Estado de Maryland e serviu no Afeganistão
Tradutor: UOL
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