Artigo sobre direitos das mulheres de nova constituição provoca protestos na Tunísia
Naiara Galarraga - El Pais
A transição de um regime laico, mas autocrático, para uma democracia, liderada por um partido islâmico, tem deixado a Tunísia muito agitada nos últimos meses. Os setores mais laicos e os mais religiosos radicais fizeram ouvir suas vozes na semana passada. Os primeiros pacificamente; os segundos, com intimidações graves. Milhares de mulheres marcharam na semana passada em protesto contra o esboço de um artigo da nova Constituição que consideram uma tentativa de cortar seus direitos reconhecidos desde 1956.
Nos dias seguintes, jovem salafistas (islâmicos extremistas) causaram incidentes que obrigaram a cancelar três festivais culturais. Os artistas acusam o governo - uma coalizão liderada por islâmicos do Ennahda com dois partidos laicos - de não enfrentar esses grupos radicais.
A sociedade tunisiana é há décadas a sociedade árabe mais laica e liberal. Uma situação que os menos religiosos querem preservar depois da vitória em outubro do Ennahda com 41% dos votos.
Cerca de 6 mil pessoas protestaram no centro de Túnis, alarmadas pela redação proposta para o artigo 28 da nova Constituição, que contempla a mulher "sob o princípio de complementaridade de funções com o homem na família".
Grupos de direitos humanos, civis e feministas consideraram que o dia 13 de agosto, 50º aniversário da aprovação do Código de Estatuto Pessoal, era a data idônea para lançar uma advertência. Marcharam para reivindicar a lei de 1956 que consagrou homens e mulheres como cidadãos iguais, vetou a poligamia, proibiu o véu, estabeleceu um processo judicial para o divórcio e exigiu o consentimento mútuo para o casamento, segundo explica o site Tunisia Live.
"O aniversário foi importante, mas o que mais nos mobilizou é o artigo 28", explica por telefone a ativista feminista Rim. "Mulher, levante-se para que seus direitos estejam consagrados na Constituição", dizia um dos cartazes. Outra ativista dos direitos humanos, Nasrin Hasan, critica por telefone, de Túnis, que a redação proposta só contempla as mulheres casadas.
A parlamentar do Ennahda, Souad Abderrahim, insistiu para a Tunisia Live que "é um rascunho, nem sequer é definitivo... Escrevemos que o homem e a mulher se complementam, não que a mulher complementa o homem. Segundo, já mencionamos a igualdade no artigo 22".
O porta-voz da presidência, Adnane Moncer, afirmou que os direitos adquiridos "não pertencem às mulheres, mas também à sociedade", e afirmou que qualquer passo atrás "é impossível porque essas conquistas foram obtidas pela sociedade tunisiana e são aceitos unanimemente".
O assunto dos direitos das mulheres é um dos que despertam mais paixões e repercussão na mídia, mas de modo algum é o único foco de debate na transição na Tunísia. Também se discute a independência judicial ou a liberdade de imprensa.
Grande preocupação é provocada pela crescente influência dos salafistas, encorajados desde a queda do ditador, que em junho causaram graves distúrbios. Na última terça-feira (14), um grupo de radicais se pôs a rezar na sala onde o ator Lotfi Abdelli apresentava o espetáculo intitulado "100% Halal" (palavra que define o que é adequado no islã) e "aterrorizou" o público. "Havia agentes de polícia, mas estavam esperando uma ordem oficial para intervir. O silêncio do governo é o mais preocupante", diz Abdelli. Os outros dois espetáculos anulados por pressões salafistas eram um concerto de música sufi e um festival para reivindicar Jerusalém como capital palestina. O que indignou os extremistas sunitas nesses casos foi a participação de xiitas nos atos.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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