sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Caindo na real
O Estado de S.Paulo
Depois de dois meses de uma greve que colocou em pé de guerra cerca de 400 mil funcionários públicos federais e está transtornando a vida dos cidadãos em áreas vitais como a da saúde, agora são os trabalhadores rurais que desafiam o governo. Na quarta-feira, ameaçaram invadir o Palácio do Planalto para protestar contra o que consideram a baixa estima que os atuais governantes lhes dedicam. As fotos estampadas nos jornais e as imagens mostradas pela televisão, de policiais em confronto com os sem-terra, colocam em foco uma questão que certamente está tirando o sono do lulopetismo, às vésperas de eleições: aonde foi parar aquele país em que, como nunca antes na história, o governo só praticava bondades?
A abusada greve, que já fez a presidente Dilma Rousseff perder a paciência e mandar cumprir a lei, com o desconto em folha dos dias parados, e agora a manifestação de protesto em Brasília de mais de 7 mil representantes de cerca de 30 entidades ligadas ao campo - acontecimentos semelhantes a esses, no passado, teriam Lula à frente, esbravejando contra "as elites" - são uma demonstração de que o Brasil está caindo na real depois de um longo torpor em que parecia mergulhado por obra dos delírios de grandeza de uma liderança populista e demagógica que se atribui louros muito mais gloriosos do que aqueles que efetivamente conquistou ao fazer o País avançar social e economicamente na onda de prosperidade em que o planeta surfava até 2009.
A principal diferença entre os governos de Lula e de Dilma Rousseff no trato das questões sociais é que os reflexos da crise econômica mundial agora batem forte por aqui, o que tem diminuído a margem de manobra do Palácio do Planalto para atender às demandas salariais. Durante anos, o governo Lula beneficiou o funcionalismo federal com reajustes acima da inflação, que recompuseram com sobras o poder de compra de centenas de milhares de servidores. É normal que se tenham acostumado a esses benefícios, principalmente porque, tendo o PT fincado pé na administração federal, se consolidou entre a insaciável companheirada a convicção de que o Estado deve ser o Grande Provedor.
Nada justifica, no entanto, os abusos de grevistas que têm provocado enormes prejuízos e dificuldades para a população que lhes paga os salários. Na área da saúde, graves problemas no atendimento de usuários da rede hospitalar pública; atrasos em exames laboratoriais devidos à falta de reagentes importados que estão detidos nos portos e aeroportos; a desmarcação de cirurgias por falta de material. Na indústria, a paralisação de linhas de produção em decorrência da falta de insumos importados que não são liberados pelos agentes alfandegários. No âmbito das Polícias Federal e Rodoviária, primeiro o bloqueio de estradas e, depois, a insolência de colocar num posto da Via Dutra o seguinte cartaz: "Passagem livre para traficantes de armas e drogas". No que se refere às Relações Exteriores, a interrupção do fluxo normal de emissão de passaportes e vistos.
Não é de admirar, portanto, que a presidente Dilma tenha ordenado rigor na aplicação das represálias legais aos abusos dos grevistas, inclusive o desconto em folha dos dias parados, que as lideranças sindicais têm o cinismo de classificar de "injustiça". O que é compreensível, uma vez que, como já relevou o Estado, havia um acordo tácito entre governo e lideranças de servidores para que os descontos motivados por greves se limitassem a uma semana de salário.
Diante dessa realidade, chegam a ser patéticas as platitudes ditas pelo ex-presidente Lula, que voltou a deitar falação sobre tudo e todos: "O governo tem de trabalhar com o dinheiro disponível. As pessoas, de vez em quando, precisam compreender que o governo não tem todo o dinheiro que a gente quando está fora pensa que tem. O dinheiro é limitado. O governo nem sempre pode atender aquilo que as pessoas querem". Tivesse esse bom senso elementar, quando chefiou o governo, e talvez não tivesse comprometido as finanças públicas com salários nababescos.

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