O Estado de S.Paulo
A declaração de ontem do presidente François Hollande de que continua
determinado a engajar as forças francesas na retaliação ao regime do ditador
sírio Bashar al-Assad, pelo alegado uso de armas químicas contra moradores da
periferia de Damasco não há de ter sido um grande consolo para o presidente
americano, Barack Obama, convertido, depois de muito hesitar, em mentor da
expedição punitiva. Na véspera, numa daquelas sessões históricas que costumam
derrubar governos, o Parlamento britânico, por 285 votos a 272, negou ao
primeiro-ministro David Cameron autorização para que a Grã-Bretanha - o maior
aliado dos Estados Unidos no mundo - participe do corretivo a Assad. E ele se
curvou democraticamente à recusa.
Assim como o seu colega francês socialista, o conservador Cameron havia deixado claro de início que a represália independeria do aval do Conselho de Segurança da ONU, algo impensável em razão do veto inabalável da Rússia, aliada à Síria desde os tempos soviéticos, e que forma, com o Irã, a última linha de defesa político-militar de Assad. Na Câmara dos Comuns, parcela ponderável do bloco majoritário conservador-liberal se rendeu à voz das ruas, firmemente contrária a seja lá o que se aparentasse à aventura iraquiana de 10 anos atrás, quando o então primeiro-ministro trabalhista Tony Blair tomou duas decisões imperdoáveis.
Primeiro, aderiu submissamente à "coalizão dos dispostos" alinhavada pelo governo Bush, na ausência de apoio da ONU, para erradicar o regime de Saddam Hussein e os seus propalados arsenais de destruição em massa. Segundo, como se veio a saber, deu carta branca à equipe para apimentar (to sex up foi a expressão usada) a documentação que comprovaria a existência dos estoques químicos e biológicos iraquianos, de modo a lustrá-la com um verniz de credibilidade. Os depósitos se revelaram uma peça de ficção, mas 178 militares britânicos foram mortos durante a ocupação do país.
Presidentes franceses não precisam de licença parlamentar para fazer a guerra. Se precisassem, talvez Hollande não a obtivesse. Na França, que se opôs à invasão do Iraque e por isso foi execrada pelos EUA, o sentimento anti-intervenção na Síria resulta de uma experiência mais recente. Em 2011, a maioria apoiou o empenho do presidente Nicolas Sarkozy pelo estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Líbia para impedir que o ditador Muamar Kadafi seguisse massacrando a população rebelada. Mas o clima de opinião azedou quando a missão da Otan, liderada por Paris e Londres, foi ao que interessava - mudar o regime de Trípoli.
Kadafi morreu e a Líbia se tornou um celeiro de terroristas. E os franceses, no que estão longe de ser os únicos, sabem que, na Síria, em matéria de barbárie, a maioria dos movimentos que combatem Assad rivalizam com o regime. Washington, evidentemente, não ignora essa realidade. Tampouco há de ignorar que a ausência britânica torna ainda mais duvidosa a legitimidade de seus planos. Mas Obama está pronto a ir à guerra - com ataques de curta duração de mísseis disparados do Mediterrâneo contra alvos militares pontuais - porque se tornou refém de sua retórica.
Não bastasse ter anunciado em 2011 que os EUA não apoiariam uma transição política na Síria negociada com um Assad ainda no poder (como se houvesse outra alternativa realista), advertiu há um ano que, se Damasco jogar gases letais contra redutos inimigos, terá cruzado uma "linha vermelha" e não poderia permanecer impune. O Irã também ficaria ciente de receber a mesma resposta caso leve para além de um indeterminado limite "vermelho" o seu programa atômico.
Desde a advertência, a ditadura teria usado armas químicas, em pequena escala, 14 vezes. Na semana passada, teria ido longe demais com o ataque de gás sarin que lhe é atribuído e que matou pelo menos 355 civis (1.429, segundo os EUA). Obama não poderia continuar olhando para o outro lado. Parece faltar-lhe, no entanto, além do consentimento da ONU, uma estratégia para o "dia seguinte".
Assim como o seu colega francês socialista, o conservador Cameron havia deixado claro de início que a represália independeria do aval do Conselho de Segurança da ONU, algo impensável em razão do veto inabalável da Rússia, aliada à Síria desde os tempos soviéticos, e que forma, com o Irã, a última linha de defesa político-militar de Assad. Na Câmara dos Comuns, parcela ponderável do bloco majoritário conservador-liberal se rendeu à voz das ruas, firmemente contrária a seja lá o que se aparentasse à aventura iraquiana de 10 anos atrás, quando o então primeiro-ministro trabalhista Tony Blair tomou duas decisões imperdoáveis.
Primeiro, aderiu submissamente à "coalizão dos dispostos" alinhavada pelo governo Bush, na ausência de apoio da ONU, para erradicar o regime de Saddam Hussein e os seus propalados arsenais de destruição em massa. Segundo, como se veio a saber, deu carta branca à equipe para apimentar (to sex up foi a expressão usada) a documentação que comprovaria a existência dos estoques químicos e biológicos iraquianos, de modo a lustrá-la com um verniz de credibilidade. Os depósitos se revelaram uma peça de ficção, mas 178 militares britânicos foram mortos durante a ocupação do país.
Presidentes franceses não precisam de licença parlamentar para fazer a guerra. Se precisassem, talvez Hollande não a obtivesse. Na França, que se opôs à invasão do Iraque e por isso foi execrada pelos EUA, o sentimento anti-intervenção na Síria resulta de uma experiência mais recente. Em 2011, a maioria apoiou o empenho do presidente Nicolas Sarkozy pelo estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Líbia para impedir que o ditador Muamar Kadafi seguisse massacrando a população rebelada. Mas o clima de opinião azedou quando a missão da Otan, liderada por Paris e Londres, foi ao que interessava - mudar o regime de Trípoli.
Kadafi morreu e a Líbia se tornou um celeiro de terroristas. E os franceses, no que estão longe de ser os únicos, sabem que, na Síria, em matéria de barbárie, a maioria dos movimentos que combatem Assad rivalizam com o regime. Washington, evidentemente, não ignora essa realidade. Tampouco há de ignorar que a ausência britânica torna ainda mais duvidosa a legitimidade de seus planos. Mas Obama está pronto a ir à guerra - com ataques de curta duração de mísseis disparados do Mediterrâneo contra alvos militares pontuais - porque se tornou refém de sua retórica.
Não bastasse ter anunciado em 2011 que os EUA não apoiariam uma transição política na Síria negociada com um Assad ainda no poder (como se houvesse outra alternativa realista), advertiu há um ano que, se Damasco jogar gases letais contra redutos inimigos, terá cruzado uma "linha vermelha" e não poderia permanecer impune. O Irã também ficaria ciente de receber a mesma resposta caso leve para além de um indeterminado limite "vermelho" o seu programa atômico.
Desde a advertência, a ditadura teria usado armas químicas, em pequena escala, 14 vezes. Na semana passada, teria ido longe demais com o ataque de gás sarin que lhe é atribuído e que matou pelo menos 355 civis (1.429, segundo os EUA). Obama não poderia continuar olhando para o outro lado. Parece faltar-lhe, no entanto, além do consentimento da ONU, uma estratégia para o "dia seguinte".
Nenhum comentário:
Postar um comentário