Brasil pelo método confuso
Ruy Fabiano
Na política (e na vida), assim como há situações auto-explicáveis, há também o seu inverso: as auto-inexplicáveis. Ambas dispensam explicações: uma por desnecessário, outra por impossível. O Brasil deve ser recordista nas duas.
Os exemplos remontam ao início do país, talvez o único cuja independência foi proclamada pelo próprio dominador, herdeiro da dinastia governante, que, após nove anos no poder, abdicou e voltou ao país de origem para governá-lo. Exemplo de esquizofrenia política, que Freud não teve a oportunidade de conhecer – e tratar.
Na República, os exemplos são ainda mais abundantes. Tivemos, por exemplo, um presidente da República, Delfim Moreira (1918-1919), que enlouqueceu no cargo.
Para evitar mudanças no calendário eleitoral, o país foi governado pela mão invisível de um ministro, Afrânio de Melo Franco, num pacto silencioso em que todos, antecipando Lula, garantiam não saber de nada. Uma loucura.
A grande e decisiva batalha da Revolução de 1930 foi a que não produziu um único disparo: a de Itararé, muito apropriadamente chamada de “a batalha que não houve”.
Na era Vargas, o secretário-geral do Partido Comunista, Luiz Carlos Prestes, foi preso e submetido a tratamento tão abjeto que seu advogado, Sobral Pinto, recorreu à lei de proteção aos animais para defendê-lo. Não obstante, ao sair da cadeia, em 1945, Prestes subiu ao palanque de quem o prendera, não para denunciá-lo, mas para, inversamente, pedir sua permanência no poder.
Mas é na Era PT que os exemplos se multiplicam e se tornam rotineiros, desembocando, esta semana, na criação da inédita figura do deputado-presidiário, Natan Donadon, que aproveitou a circunstância para se queixar da xepa (sic) do presídio.
O Legislativo, porém, está longe de ser o único protagonista dos casos desta Era. Há, quanto a isso, ampla reciprocidade. Donadon é fruto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual, mesmo condenado em última instância, o parlamentar só perde o mandato se sua Câmara assim o quiser.
Antes de Donadon, dois outros condenados em instância final pelo STF – os deputados João Paulo Cunha e José Genoíno – não apenas mantiveram seus mandatos, como passaram a integrar a Comissão de Constituição e...Justiça da Câmara.
Lá, recepcionaram uma emenda que pretendia submeter as decisões do STF à deliberação do Congresso. Considerando-se alguns personagens e procedimentos recentes do STF, até que aquela decisão ganha algum sentido.
O ministro Dias Toffoli, por exemplo, é relator de uma ação que tem como réu o Banco Mercantil do Brasil (BMG). Há, porém, um detalhe, considerado irrelevante: é simultaneamente relator e tomador de empréstimo no banco, numa operação em que obteve, segundo O Estado de S. Paulo, nada menos que R$ 1,4 milhão.
Ora, mas o que é isso para alguém que se julga desimpedido de julgar (e julga!) um ex-chefe, José Dirceu, do partido para o qual advogou, o PT? Numa petição ao TSE, em 2006, quando advogava na campanha pela reeleição de Lula, Toffoli afirmou que o Mensalão “nunca ficou comprovado”. Mesmo assim, está julgando-o.
Bem, e a Bolívia? O PT mantém relações de subserviente surrealismo com aquele país, governado por Evo Morales. Em 2007, Morales, apossou-se, manu militari, de uma refinaria da Petrobras. A reação de Lula foi comovente: “Eles são pobres”. E ponto final.
O contribuinte brasileiro, que, como se sabe, é rico, teve direito apenas à perplexidade, da qual ainda não saiu, já que a Bolívia parece ser um filão inesgotável. Lá, estiveram presos por cerca de seis meses, sem processo ou culpa formada, 12 torcedores do Corinthians, em decorrência da morte de um torcedor boliviano.
Tratou-se de um crime, sem dúvida, mas sem autoria identificada e sem meios de obtê-la, o que tornou ilegal a prisão. O governo brasileiro não fez qualquer manifestação a respeito.
Quando o avião de Evo Morales, em julho passado, foi submetido a revista no aeroporto de Viena, sob suspeita de trazer a bordo o ex-agente americano Edward Snowden, a presidente Dilma emitiu furiosa nota de desagravo ao presidente boliviano, que em momento algum se mostrou reconhecido.
Ao contrário, reage agora com indignação à vinda do senador Roger Pinto Molina ao Brasil, que já lhe concedera asilo, embora sem o indispensável salvo conduto para materializá-lo. O asilo é ato humanitário, previsto em tratados dos quais Brasil e Bolívia são signatários. Dá-lo sem salvo conduto é como não dá-lo.
E é absurdo é alguém ser mantido por 455 dias numa sala, ainda que de uma confortável embaixada, sem direito a visitas e sem perspectiva de saída. A metáfora do Doi-Codi, que tanto irritou a presidente, é pertinente. Absurda e lamentável é sua performance no episódio, cujo desfecho entrará para o rol dos casos simultaneamente auto-explicáveis e auto-inexplicáveis caso se submeta à exigência de Morales (mais uma) devolvendo o senador.
Infelizmente, não sobra espaço para um paralelo com o caso Cesare Battisti e um exame da estranha mutação humanitária de nossa diplomacia, movida a ideologia.
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