Baz Ratner/Reuters
Crianças israelenses aprendem a usar máscaras de gás distribuídas por entidades do país em Jerusalém
Os aposentados que analisam a situação política nas manhãs de segunda-feira, tomando cappuccino no Hadar Shopping, já testemunharam todos os tipos de guerras, levantes e caos. Para eles, os ataques com armas químicas ao norte, na Síria, e a repressão militar contra os islâmicos ao sul, no Egito, são quase reconfortantes, uma confirmação de uma visão comum israelense de que seus vizinhos árabes são despreparados para a democracia, e uma oportunidade para desviar a atenção de seu próprio conflito com os palestinos."Nós vamos ter calma por muitos anos –podemos pegar as verbas do orçamento que iriam para a segurança e colocá-las na educação", disse Edward Reuven, 73, motorista de ônibus aposentado que, como os outros, é de uma família que mora em Jerusalém há gerações. "Eu posso dormir tranquilo. Eles estão ocupados com eles mesmos. Seus exércitos estão enfraquecidos. O mundo vai se preocupar com eles e nos deixar em paz".
"Há um ditado em hebraico que diz: nós sobrevivemos ao faraó, vamos sobreviver a isso, também", acrescentou Reuven.
Não muito longe de onde os homens estavam conversando, as autoridades distribuíam máscaras de gás. Na quarta-feira (28), em meio a crescentes expectativas de um ataque americano na Síria e ameaças de retaliação contra Israel, o governo teve problemas em responder à demanda crescente e houve confrontos em alguns lugares. Mas, até mesmo muitos na fila para recolher os kits pareciam mais estoicos do que assustados. "Caso aconteça alguma coisa, você tem as ferramentas à mão", disse Ariel Garcia Lozano, de 31 anos, dando de ombros e almoçando tranquilamente com a noiva, com a máscara de gás a seus pés.
O governo israelense convocou reuniões de emergência nos últimos dias e aumentou os preparativos domésticos, convocando reservistas e ativando os sistemas de defesa aérea na quarta-feira. Ainda assim, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse em um comunicado: "Não há razão para mudar a rotina".
O público israelense estava entretido com o início das aulas na terça-feira de manhã, o episódio final do programa "Big Brother" na terça-feira à noite e os preparativos para o Ano Novo judaico na próxima semana. Os recentes ataques de foguetes a partir do deserto do Sinai e do Líbano pareciam um ruído de fundo, depois de tantos anos assim. Embora os israelenses tenham "os melhores lugares da casa" no caos atual, como disse em entrevista o humorista Lior Schleien, há um alívio que, por enquanto, os problemas são dos outros.
Com preocupações crescentes com o isolamento internacional de Israel, após recente medida europeia para proibir o financiamento de instituições judaicas na Cisjordânia ocupada, alguns esperavam que a brutalidade e a instabilidade na região gerassem simpatia no exterior pelo desafio geopolítico de Israel. Ao mesmo tempo, outros temem que as mudanças na vizinhança tornem os israelenses ainda mais avessos a fazerem as concessões necessárias para que haja paz com os palestinos -e que a pressão sobre eles seria aliviada, justo no início das negociações intermediadas pelos EUA.
"É mais um prego no caixão da esquerda", lamentou Eva Illouz, socióloga e presidente da Academia Bezalel de Artes e Design.
"Vai solidificar as tendências racistas que já são fortes na sociedade israelense", disse ela, preocupada. "A maioria das pessoas não são boas de história. Elas tendem a atribuir a mesma lógica para coisas que não estão necessariamente ligadas. Isso é o que eu acho que vai acontecer na cabeça da maioria das pessoas. Elas vão encontrar conforto no discurso de Netanyahu que "todos querem que a gente suma, precisamos ser muito fortes".
Em conversas com dezenas de pessoas nesta semana, muitos disseram que este verão tinha gerado uma sensação entre os israelenses de "eu não disse?", pois tinham sido muito mais céticos do que os americanos e europeus sobre a Primavera Árabe. Muitos repetiram a declaração infame de Ehud Barak que Israel é uma "mansão na selva", que causou polêmica em 2006, mas agora está ganhando força até mesmo entre os liberais mais simpáticos à causa árabe.
"Eu não gosto dessa metáfora, é muito colonialista", disse Dorit Rabinyan, romancista jovem e célebre. "Mas este é o estado de espírito dos israelenses, especialmente entre as últimas duas ou três gerações. Eu acho que essa metáfora contém certo grau de verdade".
Ariel Brantz, cozinheiro de um restaurante que pegou uma máscara de gás no shopping, disse que espera que "isso abra os olhos do mundo, e que eles entendam com quem estão lidando".
Schleien, apresentador do programa de televisão satírico "Estado da União", disse que "o que está acontecendo no Egito, no Irã e na Síria" deve fazer as pessoas "acordarem e sentirem o cheiro de napalm".
Depois de meses em que o rápido aumento do total de mortos na guerra civil da Síria gerou pouca reação em Israel, os aparentes ataques com gás perto de Damasco tocaram fundo em um país que, em grande parte, ainda é definido por memórias do Holocausto. Várias pessoas entrevistadas disseram que imaginaram seus próprios parentes que pereceram nos campos de concentração nazistas quando viram os rostos das crianças sírias mortas alinhadas na semana passada.
"Inimigo ou não, é horrível", disse Etti Vashdi, visitando por um passeio com vista para a Cidade Velha com um grupo de judeus religiosos da pequena comunidade de Elyakhin, no centro do país. "Espero que eles sintam o mesmo sobre nós, mas não tenho certeza".
Eliaquim Haetzni, antigo político de direita, escreveu um dos vários editoriais que apontaram para o silêncio do mundo durante o Holocausto para exigir alguma reação internacional hoje. "É impossível qualquer um de nós ficar indiferente ao assassinato em massa por gás", disse ele . "Todo judeu deve sempre pensar que esteve na fila para entrar em uma câmara de gás".
Ainda assim, há um sentimento de satisfação por alguns quando assistem o inimigo implodir. Raymonde Elul, uma de três avós que comiam sanduíches no shopping, disse: "Eles não são nossos irmãos. Quanto mais deles morrerem, melhor".
Reuven, o motorista de ônibus aposentado, e seus amigos passaram o verão brincando de saudar com uma continência um membro do grupo cujo apelido é Sisi, como o general Abdul- Fattah el- Sisi, o líder militar por trás do novo governo do Egito. Eles estão felizes com o resultado no Egito, mas temem o método usado e ficam ainda mais chocados com o que veem na Síria. "Eles mataram suas próprias mulheres e crianças", disse Reuven. "Deus nos livre de cair em suas mãos; eles iriam nos matar como galinhas".
Ainda assim, a maioria dos entrevistados na segunda, terça e quarta-feira disse que os eventos serviram para intensificar a sensação de isolamento israelense. Eles criticam a política do governo Obama para o Oriente Médio e acham que o mundo os demoniza. A possibilidade de ataques da Síria ou do Irã contra Israel em resposta a um ataque americano -como aconteceu quando Saddam Hussein enviou mísseis Scud contra Tel Aviv em 1991- parece gerar certo orgulho na capacidade de resistência.
"Quando os israelenses vão para os abrigos, o espírito de Israel ressurge. Ficamos todos unidos e temos essa enorme solidariedade de um povo perseguido", disse Hannah Naveh, professora de literatura e estudos de gênero na Universidade de Tel Aviv.
"Temos um modo de vida pós-traumático", disse ela. "Tenho 65 anos, nasci com o Estado, e foram 65 anos de vida pós-traumática. Nós não passamos de um trauma ao outro. Não superamos nada".
Tradução: Deborah Weinberg
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