Reinaldo Azevedo - VEJA
Nesta quinta, felizmente, o ministro Joaquim Barbosa estava calmo. Até demais! Ou, então, não ouviu Ricardo Lewandowski chamar de “imprestável” a dosimetria da pena de José Dirceu pelo crime de formação de quadrilha. Ele empregou esse adjetivo, é certo, com aquele seu jeito manso, suave, de quem só pretende colaborar e, como costuma dizer, submeter humildemente suas opiniões à “consideração douta” de seus pares. Em alguns momentos, ao longo do julgamento, achei que o ministro tinha perdido apenas o orgulho. Agora, temo que possa estar perdendo também o juízo. E por que esse arroubo? O revisor afirmava, seguindo picada aberta por Dias Toffoli, que José Dirceu tinha tido a pena duplamente majorada pelo crime de formação de quadrilha — de que ambos o inocentaram, diga-se — em razão de um fato só. Ao estabelecer a punição, considerou-se a situação especialmente grave porque Dirceu era o chefe da Casa Civil e tinha, portanto, controle da base política, o que facilitou a ação criminosa, e porque era o chefe da quadrilha propriamente dita. Toffoli e Lewandowski — no que foram seguidos por Marco Aurélio — afirmavam que essas duas circunstâncias não se distinguiam e eram, de fato, uma coisa só. Nem eu, que penso o que penso do petismo, considero que José Dirceu conduzia a Casa Civil só como chefe de quadrilha. Suponho que exercia, ainda que fosse de vez em quando, atividades legais, próprias do cargo que ocupava. Notem: se os três ministros estão certos, então, em vez de um alívio da pena, seria preciso agravá-la ainda mais.
Esse foi apenas um dos absurdos desses dias que vivemos.
Na abertura do debate da VEJA.com, na noite desta quinta-feira, a excelente repórter Laryssa Borges informou que, durante a sessão, enquanto seus pares se ocupavam do julgamento, Dias Toffoli posava para fotos. Ora oferecia um perfil, ora oferecia outro, com a mão pousada sobre a Constituição. Repito, leitor, a informação na certeza de que não há adjetivo que se possa acrescentar que suplante a mera reiteração fática: enquanto os pares de Dias Toffoli se ocupavam do mais importante julgamento da história do Supremo, ele posava para fotos.
E Toffoli agia assim no dia em que reportagem do Estadão informou que ele é relator de um processo do Banco Mercantil do Brasil, onde contraiu dois empréstimos que somam R$ 1,4 milhão, que vai pagar a perder de vista: R$ 931 mil em 180 parcelas — 15 anos; e R$ 453 mil em 204 parcelas — 17 anos. Conseguiu reduzir os juros de 1,35% para 1%, o que vai lhe render uma economia de R$ 636 mil no total a ser pago. Já tomou duas decisões favoráveis à empresa. As parcelas mensais do empréstimo consomem R$ 16,7 mil de sua renda conhecida. Seu salário líquido no STF é de R$ 18,2 mil. Indagado a respeito, disse ter outras fontes de recursos, mas se negou a especificá-las.
Ainda que a redução dos juros do empréstimo fosse ou seja explicável e corriqueira — especialistas da área dizem que “não” —, é evidente que Toffoli deveria ter se dado por impedido. É um deboche que o ministro continue relator de uma caso que é do interesse de uma empresa com a qual mantém relações comerciais. Sim! O vínculo de um cliente com um banco é de natureza comercial. Como saber se o Mercantil teria reduzido a taxa de juros dos empréstimos não fosse ele quem é? Ora, jamais saberemos. Por isso mesmo, ele não poderia ser o relator.
Como esquecer que esse é o mesmo Toffoli que foi advogado de José Dirceu, que foi subordinado de Jose Dirceu e que agora atua como juiz de José Dirceu — votando invariavelmente a favor do agora condenado? Não ter se declarado impedido de participar do julgamento já é um dos grandes escândalos da história do STF. Seu caso não é de vinculo ideológico com esse ou com aquele; a questão não se limita a questionar as afinidades eletivas. Não! Ele manteve e mantém uma relação com Dirceu que joga uma evidente sombra de suspeição sobre suas ações e sobre os seus votos. Se vinha conseguindo se comportar com algum decoro nesse caso — deixando para Lewandowski os momentos mais patéticos —, ontem, Toffoli não disfarçou nem tergiversou. Lançou a tese bárbara de que chefiar governo e chefiar quadrilha, no fundo, são a mesma coisa e seguiu adiante. Lewandowski se encarregou de emprestar tinturas de drama e chegou a defender a concessão de um habeas corpus de ofício a Dirceu, instrumento a que se recorre quando alguém está preses a sofrer uma coação ilegal. Espantoso!
Há alguns dias, o Supremo, com maioria de seis votos — Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski —, decidiu que cabe à Câmara e ao Senado cassar ou não seus pares condenados em processo criminal, em última instância. Vale dizer: estes seis ministros do STF que formaram a maioria estavam abrindo a possibilidade de haver um parlamentar presidiário. Muita gente alertou para esse risco — neste blog, umas 300 vezes. Três semanas depois, aí está ele. Nota: a decisão dos seis ministros não interferiu no caso Donadon. O que estou a dizer é que o parlamentar-presidiário é a manifestação concreta daquele ponto de vista. Ele foi condenado em 2010. O STF não se pronunciou, então, sobre seu mandato porque ele havia renunciado ao cargo na esperança de que seu caso fosse remetido para a primeira instância, mas o tribunal rejeitou o pedido. Ocorre que ele se candidatou a novo mandato e foi eleito.
O futuro
Que tribuna é esse? Ontem, ao rejeitar o embargo de declaração de José Dirceu, o ministro Celso de Mello, decano da Corte, mostrou como aquela Casa pode ser maiúscula. À ladainha de Lewandowski e DiasToffoli, opôs os fatos:“Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles, como o ora embargante, que não se mostraram capazes de exercê-la com honestidade e integridade. E longe disso, transgrediram as leis com o objetivo espúrio de conseguir vantagens indevidas e controlar de maneira criminosa o próprio funcionamento do Estado (…) Era uma posição [a de Dirceu] eminente do condenado na estrutura de poder, que, na verdade, concebeu e comandou ações criminosas voltadas à permanência de um determinado grupo no poder. Uma estrutura voltada à manipulação fraudulenta do Congresso”. Antes, havia considerado: “Nada se mostra mais lesivo, para efeito de se destacar o caráter altamente negativo, do que a presença na condução do Estado de altos dirigentes integrantes de quadrilha, formada e constituída para corromper o poder e submeter a vontade hegemônica de grupos neles encastelados a qualquer custo”.
Que tribuna é esse? Ontem, ao rejeitar o embargo de declaração de José Dirceu, o ministro Celso de Mello, decano da Corte, mostrou como aquela Casa pode ser maiúscula. À ladainha de Lewandowski e DiasToffoli, opôs os fatos:“Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles, como o ora embargante, que não se mostraram capazes de exercê-la com honestidade e integridade. E longe disso, transgrediram as leis com o objetivo espúrio de conseguir vantagens indevidas e controlar de maneira criminosa o próprio funcionamento do Estado (…) Era uma posição [a de Dirceu] eminente do condenado na estrutura de poder, que, na verdade, concebeu e comandou ações criminosas voltadas à permanência de um determinado grupo no poder. Uma estrutura voltada à manipulação fraudulenta do Congresso”. Antes, havia considerado: “Nada se mostra mais lesivo, para efeito de se destacar o caráter altamente negativo, do que a presença na condução do Estado de altos dirigentes integrantes de quadrilha, formada e constituída para corromper o poder e submeter a vontade hegemônica de grupos neles encastelados a qualquer custo”.
Dias Toffoli tem ainda mais 24 anos de Supremo caso fique lá até os 70. Ricardo Lewandowski, mais 5. Celso de Mello sai em 2015 se não antecipar a sua aposentadoria. O que virá pela frente? Com a saída de um Mello, o outro, o Marco Aurélio, passará a ser o decano, de quem se espera sempre que a sabedoria suplante a vaidade; a temperança, o ânimo para a provocação; a fala transparente e cordata, a tentação da ironia. Marco Aurélio, um homem inteligente, tem mais dois anos para treinar essa humildade superior que, até agora, não alcançou.
Espero que o caso Donadon leve alguns ministros — os que forem equipados para isso (há casos perdidos) — à reflexão. No caso do mandato dos parlamentares condenados em processo criminal, o tribunal tinha dois caminhos a seguir, e ambos encontravam respaldo no texto constitucional. Seis deles escolheram o pior: o que permite a existência de parlamentar-presidiário e, o que é espantoso, sem direitos políticos.
Em alguns dias, o tribunal vai se defrontar com a questão dos embargos infringentes. Mais uma vez, dois caminhos remetem a textos legais. Mais uma vez, duas leituras reivindicam o amparo na letra da lei. Um deles, o que admite os embargos — ignorando a Lei 8,038 — conduz à desmoralização do Supremo e da Justiça. O outro, que rejeita o expediente porque, afinal, uma lei pode mais do que um Regimento Interno, dará aos brasileiros a certeza de que ainda existem juízes em Brasília.
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