Solitário e perdedor, atirador morto na França não personifica crescente radicalização juvenil
Olivier Roy - Herald Tribune
O ataque assassino contra uma escola judaica, e antes disso contra soldados franceses, provocou forte reação emocional na França. Novamente, o espectro dos jovens muçulmanos franceses marginalizados e radicalizados paira sobre os bairros carentes das cidades francesas. Cinquenta anos após o fim da guerra na Argélia, um novo tipo de guerra civil parece estar em andamento.
Mas um olhar mais atento mostra que o quadro é bem diferente.
Primeiro, o perpetrador de 23 anos desses atos de terror, Mohamed Merah, era um solitário e um perdedor. Longe de personificar a crescente radicalização entre os jovens, ele permanece à margem não apenas da sociedade francesa, mas também da comunidade muçulmana.
Merah não era conhecido por sua piedade: ele não pertencia a nenhuma congregação religiosa; ele não pertencia a nenhum grupo radical e nem mesmo ao movimento islâmico local. Um delinquente sem importância, psicologicamente frágil, ele tentou se alistar na Legião Estrangeira Francesa e depois partiu para o Afeganistão e Paquistão.
Merah encontrou na Al Qaeda uma narrativa de heroísmo solitário e uma forma, após meses assistindo vídeos pela Internet, de atingir a notoriedade a curto prazo e encontrar um lugar no mundo real. Neste aspecto, ele mais se parece com Anders Behring Breivik, autor de um massacre na Noruega em julho do ano passado, em nome do ódio aos muçulmanos. Pessoas como essas são difíceis de avistar precisamente por não pertencerem a uma rede de células militantes.
Mas os crimes desses homens frequentemente são mal interpretados como simbolizando problemas diferentes. Enquanto terroristas solitários não muçulmanos como Breivik tendem a ser considerados doentes mentais, terroristas solitários muçulmanos são vistos como a personificação da “ira muçulmana”. Isso ignora um ponto essencial.
Considere o ataque de Merah aos soldados franceses. Se as mortes na escola judaica, em Toulouse, foram um reflexo terrível do tipo de antissemitismo tipicamente promovido pela Al Qaeda, seu ataque aos soldados franceses –especificamente os muçulmanos– foi algo novo e revelador. Ele via os soldados como traidores: muçulmanos franceses lutando contra o Taleban no Afeganistão. A desigualdade percebida por ele entre ele e os soldados revela a desigualdade entre os poucos muçulmanos que se sentem tão marginalizados a ponto de matar e os muitos mais que encontraram formas de se integrar.
Os jovens marginalizados que estão supostamente vulneráveis ao terrorismo também são um reservatório de recrutas potenciais para o exército. Para cada simpatizante da Al Qaeda, há milhares de muçulmanos que vestem a farda do Exército francês e lutam sob a bandeira francesa –inclusive, é claro, no Afeganistão. Eles são leais e também estão dispostos a morrer no campo de batalha. Há dez anos ocorreram casos de soldados muçulmanos se recusando a lutar contra outros muçulmanos no Afeganistão; um caso foi documentado. Mas a maioria dos soldados cumpriu seu dever. Basta olhar para a lista de mortos ou assistir aos vídeos dos funerais militares para confirmar isso. Mas o fato é raramente reconhecido, porque não se encaixa na percepção habitual dos muçulmanos como dissidentes.
Na verdade, a crescente presença de recrutas muçulmanos no Exército (incluindo unidades de soldados paraquedistas de elite) é um sinal da crescente integração dos muçulmanos na França. (O paralelo com os Estados Unidos é interessante: a integração dos afro-americanos no exército precedeu o movimento para integração de toda a sociedade.)
Os “banlieues” pobres ainda são necessitados e permanecerão assim, e ainda contarão com sua cota de delinquência juvenil, radicalismo e violência. Mas não são os locais onde a face do Islã francês está sendo moldada.
A mudança de padrões é evidente entre a crescente classe média muçulmana: pessoas que deixam os guetos, matriculam seus filhos em escolas católicas (há poucas escolas muçulmanas na França) e estão enchendo as fileiras de médicos, jornalistas, professores e vereadores.
A discrepância entre as narrativas na imprensa –a Al Qaeda é a vanguarda dos muçulmanos marginalizados que vivem na França– e a realidade social –os terroristas muçulmanos são tão isolados e mentalmente desequilibrados quanto os terroristas não muçulmanos– alimenta a desconfiança e as tensões entre a maioria dos muçulmanos franceses. Eles se mantêm discretos, não apenas por não quererem chamar atenção, mas também porque querem viver sua fé de modo privado.
(Olivier Roy é professor de ciência política do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autor de “Holy Ignorance: When Religion and Culture Part Ways”.)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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