Mohamed Merah representa um anacronismo mesmo entre os extremistas salafistas
Gilles Paris - Le Monde
As redes jihadistas encontram cada vez mais dificuldades para recrutar na Europa desde os atentados de Madri e de Londres, em 2004 e 2005
“Um anacronismo, uma exceção”: é assim que o pesquisador Samir Amghar, especialista em movimentos extremistas islâmicos, descreve Mohamed Merah. “Em matéria de jihadismo, desde o apogeu, em 2004 e 2005, com os atentados de Madri e de Londres, o fenômeno não parou mais de enfraquecer na Europa. Constata-se uma desaceleração, na medida em que as redes têm tido cada vez mais dificuldades para recrutar”, acredita o autor de “Le salafisme aujourd’hui” (“O salafismo hoje”, Ed. Michalon, 2011).
Agora que as chacinas de Montauban e de Toulouse foram reivindicadas por um pequeno grupo jihadista, o Jund al-Khalifah (os soldados do califado), sem trazer provas de ligações com Mohamed Merah, revelou-se que ele andou com grupos jihadistas paquistaneses e afegãos.
Da mesma forma, ele justificou suas ações, segundo as autoridades francesas, recorrendo à argumentação em vigor entre esses grupos, mencionando desde a denúncia da presença militar francesa no Afeganistão até a proibição do véu integral islâmico na França, à qual ele somou a vontade de vingar “as crianças palestinas” – em compensação, não falou em califado, nem em crítica a um imperialismo norte-americano.
“Mas ‘os indivíduos desterritorializados’, para usar a expressão do pesquisador Olivier Roy, que constituem os grupos jihadistas, geralmente têm dificuldade para se identificar com uma causa que possua um forte componente nacionalista, como a questão palestina”, observa Amghar.
A suposta pouca bagagem religiosa e ideológica do autor dos massacres não pode ser considerada um critério para o pesquisador, que garante que esse domínio também pode comportar tanto indivíduos que dispõem de um conhecimento aprofundado dos textos religiosos e do árabe quanto o contrário.
O jihadismo que Mohamed Merah dizia seguir não passa de um componente do fenômeno do radicalismo islâmico que constitui o salafismo, mesmo que as mais altas autoridades francesas possam ter usado indiscriminadamente um termo pelo outro ao longo dos últimos dias. Segundo os observadores, a França teria pouco mais de 10 mil membros que podem ser associados a essa corrente religiosa.
Esse fenômeno de volta às fontes do islamismo tal como ele era praticado pelos “pios ancestrais” (salaf al-salih), no século 7, se enraizou no Oriente Médio a partir da Idade Média, mas hoje ele abrange formas extremamente variadas, ou até antagônicas. Primeiramente uma corrente literalista inicial que defende a obediência aos governos, inclusive não-muçulmanos, e recusa qualquer forma de engajamento e de participação política, dando preferência ao aprofundamento de textos religiosos.
Na contramão, um movimento reformista, a “sahwa” (despertar), apareceu na Arábia Saudita no fim do século 20 para defender um engajamento nos assuntos da cidade. Essa corrente resultou, no Kuwait, e por último no Egito, na formação de partidos políticos e na participação de processos eleitorais.
O jihadismo é o último componente do salafismo, o mais radical, uma vez que defende a ação armada, inclusive a adoção do atentado suicida, mas também o mais marginal. Em sua última obra, Amghar garante que o sectarismo, o radicalismo religioso, sobretudo no vestuário, e a virulência das pregações antiocidentais dos militantes salafistas podem agir “como uma válvula de segurança que desvia da ação direta”, uma postura inversa à de Mohamed Merah, solitário e aparentemente integrado em seu ambiente.
Segundo o pesquisador, a frequência em sites militantes e fóruns da internet, nos quais eles dão vazão a uma veemência antiocidental, encrava esses salafistas em “um jihadismo de poltrona”, como o pesquisador francês do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), Adlène Hicheur, preso em 2009.
“Duas atitudes podem ser identificadas”, ele conclui, “a de se inscrever em um jihad que permanece virtual, ou então a participação em comitês de apoio para jihadistas presos e considerados ‘mártires’, como o caso do tunisiano Nizar Trabelsi na Bélgica ou do francês Bassam Ayachi na Itália”.
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