Nova edição de manual de psiquiatria gera controvérsia
Anjana Ahuja - Prospect
Em 1973, o psicólogo norte-americano David Rosenhan enviou oito pessoas saudáveis, além dele mesmo, a instituições para doentes mentais, dizendo que estavam ouvindo vozes. Todos foram diagnosticados como doentes mentais; alguns ficaram encarcerados por um mês ou mais. Ele publicou um artigo a respeito da experiência, “On being sane in insane places” (sobre ser são em locais insanos), que gerou uma sensação na mídia e uma crise na psiquiatria. Os médicos, ao que parece, não conseguiam distinguir um pateta lúcido de um lunático.
A controvérsia que se seguiu levou a uma rigidez maior do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM), a “bíblia dos psiquiatras”, que lista os distúrbios mentais e seus sintomas. O DSM, publicado pela primeira vez em 1952, é produzido pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) que, a cada uma ou duas décadas, reúne em torno de cem profissionais da área para revisar os distúrbios à luz de novos dados científicos ou da mudança nos padrões culturais.
Atualmente, o DSM está em processo de revisão. A nova edição --DSM-5-- deve ser publicada em 2013. Contudo, a psiquiatria está enfrentando um outro “momento Rosenhan”: o DSM-5 expande tanto os limites da doença mental que muitas pessoas que antes eram consideradas meramente excêntricas ou levemente perturbadas agora poderão ser classificadas como doentes mentais.
Parentes enlutados podem ser rotulados de “deprimidos”; cabeças-quentes agora sofrem de “distúrbio de humor perturbado” e idosos esquecidos serão diagnosticados com declínio “neurocognitivo leve”. Muitas pessoas serão pegas pela rede de diagnósticos e as dificuldades sociais que o diagnóstico traz. Allen Frances, que editou o DSM-4, interrompeu sua aposentadoria para denunciar o DSM-5 como uma “imposição médica generalizante” e uma “festa para a indústria farmacêutica”.
O texto deve ser publicado em maio, e um período de consultas públicas se seguirá. Mas a oposição já é considerável. Há um abaixo-assinado com 11.500 assinaturas, em grande parte de membros da APA, da Associação de Aconselhamento Americana e da Sociedade Psicológica Britânica. Houve uma série de críticas à nova edição no Reino Unido. Simon Wessely, do Instituto de Psiquiatria de Londres, observou: “Em 1917, a Associação Psiquiátrica Americana reconhecia 59 (distúrbios), que foram elevados para 128 em 1959, 227 em 1980 e 347 na última revisão (DSM-5). Será que realmente precisamos de todos esses rótulos?” Lucy Johnstone, consultora clínica psicóloga, disse que o DSM “não pode ser reformado... deve ser abandonado”. A APA, contudo, defende seu produto: “Estamos confiantes que o DSM-5 se baseará em dados científicos e clínicos dos mais confiáveis”.
Frances se arrepende de permitir, sob sua chefia, a expansão dos diagnósticos bipolares para crianças. A “síndrome de psicose atenuada”, por exemplo, deveria identificar jovens adultos levemente perturbados que poderiam desenvolver uma psicose mais séria. Mas 90% deles não pioram. Seu maior temor é que haja “uma inflação do diagnóstico, levando ao uso exagerado e inadequado de medicamentos. "O DSM-5 contém muitas sugestões irresponsáveis baseadas em dados científicos extremamente frágeis. Novos diagnósticos podem ser mais perigosos do que novas drogas e precisam de verificações mais cuidadosas do que pode ser fornecido por uma única organização profissional”.
A APA reagiu aos seus comentários salientando que Frances deve perder os royalties de vendas do DSM-4 quando sair o novo manual. Em resposta, Frances disse que ganha “cerca de US$ 10.000 por ano” com o DSM-4. Contudo, o manual dá à APA mais de US$ 5 milhões por ano.
Nos EUA, o DSM é vital para o diagnóstico de saúde mental. No Reino Unido e na UE, a referência para a sanidade mental é a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, um inventário de doenças físicas e mentais, tido como o padrão mundial e aprovado pela Organização Mundial de Saúde. Enquanto a CID domina o diagnóstico clínico, o DSM domina as pesquisas --síndromes recém cunhadas criam mais oportunidades para empresas farmacêuticas e acadêmicas e seus nomes entram na cultura popular. As crianças hiperativas no Reino Unido são rotuladas pelo DSM como “Distúrbio de Deficit de Atenção e Hiperatividade”, não com sua descrição da CID de “Hipercinéticas”. Por esta razão, as mudanças no DSM são significativas para a pesquisa médica em toda parte.
Peter Tyrer, professor de psiquiatria comunitária do Imperial College, em Londres, e editor do “British Journal of Psychiatry”, questiona se as atuais classificações do DSM-5 representam novos modos de sofrimento ou a busca dos acadêmicos por novos feudos. Em breve, clínicos de países ricos e pobres vão começar a atualizar o mais recente manual da CID, e alguns especulam que este classificará alguns distúrbios diferentemente do DSM. As divergências dos dois sistemas, associadas com a desilusão com um deles, pode reforçar a alegação da CID que oferece um retrato mais verdadeiro dos males humanos.
(Anjana Ahuja escreve sobre ciências)
Tradutor: Deborah Weinberg
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