Políticas do Banco Central Europeu não são nada inofensivas
Kristen Allen - Der Spiegel
Pela segunda vez em cerca de dois meses, o Banco Central Europeu injetou liquidez no setor bancário do continente, no valor de cerca de meio trilhão de euros. Centenas de instituições financeiras ansiosamente tiraram vantagem dos empréstimos a juros baixos, mas comentaristas alemães alertaram na quinta-feira (1°) que os riscos de longo prazo para a economia podem não compensar.
Num esforço para estabilizar os bancos, empresas e governos, o Banco Central Europeu (BCE) abriu na semana passada uma oferta massiva de empréstimos ilimitados a juros baixos. A segunda oferta do tipo em apenas dois meses foi aceita prontamente na quarta-feira (29) por cerca de 800 bancos, que juntos tomaram 529,5 bilhões de euros (US$ 712,4 bilhões) em empréstimos.
Somada à primeira oferta de 21 de dezembro de 2011, isso significa que o BCE injetou mais de 1 trilhão de euros no sistema financeiro europeu. A primeira oferta de cerca de 489 bilhões de euros encorajou os bancos a comprarem títulos do governo, facilitando a crise do débito da eurozona e aumentando a confiança dos investidores.
Mas ainda não se sabe ao certo como os bancos usarão este crédito barato desta vez, embora o BCE espere que os empréstimos com taxas de juros de 1% e prazo de maturidade de três anos levarão os bancos a emprestar dinheiro para companhias de pequeno e médio porte, o que por sua vez criaria empregos e melhoraria a economia.
Na quinta-feira, as ações europeias subiram numa reação positiva dos investidores à oferta massiva de crédito do BCE. Mas, de acordo com o jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” na quinta-feira, Jens Weidmann, chefe do banco central alemão, escreveu uma carta alertando que as regras mais tolerantes sobre as garantias dos empréstimos colocariam o BCE e os bancos centrais em risco.
A primeira rodada de empréstimos baratos do BCE pode ter acalmado os mercados e aliviado a pressão sobre os países europeias em dificuldades, como a Espanha e a Itália, mas alguns analistas disseram que é improvável que esta última iniciativa consiga os mesmos resultados.
“Dado que não há mais ofertas agendadas e a retórica recente do BCE tende a dizer que esta é a última oferta, acreditamos que o mercado voltará ao que é fundamental e deixará de lado esta euforia de liquidez”, escreveram analistas do Royal Bank of Scotland numa nota.
Os comentaristas alemães também se mostraram céticos em relação à iniciativa, e a maioria alertou que os riscos podem superar quaisquer benefícios a curto prazo. O jornal de centro-direita “Frankfurter Allgemeine Zeitung” escreveu: “Financiar o governo pode não ser o objetivo da injeção de dinheiro do BCE. Mas o efeito colateral das somas massivas que o banco liberou pela segunda vez num prazo incomum de três anos é que as taxas de juros afundaram nos mercados de títulos. A maioria dos países pode agora financiar suas dívidas em condições novamente toleráveis. Isso também estabiliza os bancos, o que é totalmente satisfatório para o banco central. Isto porque ele tem como meta eliminar todas as dúvidas sobre o financiamento de bancos solventes com os empréstimos emergenciais. Ele conseguiu isso, além de impedir uma espiral negativa acelerada de vendas emergenciais de bens.”
“Mas o que pode ter um efeito tranquilizador a curto prazo também pode complicar a recuperação da moeda comum por conta da redução das taxas de juros no mercado. Isso porque a queda dos prêmios de risco e as condições baratas de financiamento podem levar alguns políticos à crença errônea de que políticas para incentivar os gastos, financiadas com mais dívidas, ainda ainda são possíveis. O BCE precisa compensar isso gerando uma falta de dinheiro e crédito em tempo oportuno.”
O “Süddeutsche Zeitung” de centro-esquerda escreveu: “Mario Draghi é um político esperto. Sim, pode-se chamar o presidente do Banco Central Europeu de político porque ele se comporta de forma muito diferente da definição clássica do banco central: de um guardião da moeda. Draghi não está se concentrando na inflação, como a definição exige, mas sim em salvar o euro – que é trabalho dos políticos.”
“Em seu favor, as políticas de Draghi parecem estar ajudando o euro. (…) Entretanto, esses sucessos não tiram a atenção dos imensos riscos de suas políticas. (…) Draghi precisa tentar impedir uma nova bolha financeira a qualquer custo. Mas, como mostra a experiência, isso é difícil.”
“Será muito difícil se uma grande quantidade de dinheiro do BCE vagar pela economia através dos bancos comerciais na forma de empréstimos para companhias e através de outros meios. Isso poderia criar o risco de uma expansão artificial que aumentaria os preços – mais tarde paralisando e economia e desvalorizando as contas de poupança. (…) Mas o BCE pode tirar o dinheiro do mercado novamente, embora este não seja um processo simples. Mario Draghi, que quer ser um político e não um banqueiro central normal, está num caminho perigoso.”
O “Financial Times Deutschland” escreveu:“Ninguém pode acalmar os mercados melhor do que o BCE. A oferta de três anos já mostrou isso. Nenhum pacote de resgate, nenhum pacote de austeridade e nenhuma cúpula sobre crise tem um poder tão persuasivo quanto as injeções de dinheiro em Frankfurt. Desde a oferta de dezembro, a situação se acalmou perceptivelmente e a confiança retornou. Isso certamente se fortalecerá com a nova rodada de empréstimos generosos e há muito esperados oferecidos ontem pelo BCE.”
“Também está claro que as políticas vagas do BCE não são nada inofensivas. Afinal, ele quer que o dinheiro seja investido, talvez em títulos do governo, o que deixaria os ministros das finanças muito satisfeitos. Por outro lado, o dinheiro poderia ser investido em outras áreas, como mineração, setor imobiliário ou ações. Mas a confiança inspirada pelo BCE caminha de mãos dadas com uma disposição maior para assumir riscos. Isso não necessariamente chega a ser uma bolha de investimento, mas pode se tornar uma. Nesse caso, se a bolha for explodir, teríamos que começar o gerenciamento da crise mais uma vez do zero.”
O “Berliner Zeitung”, de esquerda, escreveu: “O BCE está dando aos bancos o que eles querem. (…) Os institutos de crédito estão praticamente recebendo essa soma massiva como um presente e conseguirão lucrar com ela apropriadamente. É arriscado? Sim. O perigo de uma inflação galopante não é insignificante. Porque até mesmo quando a Alemanha deseja ver as coisas de forma diferente, a Europa continua numa crise profunda.”
“O crédito do BCE é útil? Sim. Porque se a demanda já decrescente da sociedade como um todo também levou ao fracassos dos bancos, uma nova crise financeira estaria próxima. Nesse sentido, o BCE não tinha outra escolha além de ser generoso com os bancos. Com isso, há uma redução em parte da intensidade da crise do euro, que na verdade não é uma crise (pura) de débito mas, em vez disso, uma crise geral de confiança no sistema bancário. Para aumentar a confiança, a eurozona injetou (mais de 1 trilhão de euros) através do BCE e no setor financeiro – uma grande soma que é muito necessária. De fato, da forma que o sistema financeiro global está estabelecido atualmente, tudo depende do florescimento dos negócios bancários.”
Tradutor: Eloise De Vylder
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