Expropriação pode resultar em amplo conflito internacional
Medida argentina é vista como agressão por governo e oposição na Espanha
JORGE CASTRO - FSP
Cristina Kirchner desapropriou as ações da Repsol (principal empresa petrolífera espanhola e europeia) na YPF, estatal argentina privatizada em 1991 e comprada então por US$ 14 bilhões.
Ela determinou que o preço da expropriação será fixado pelo próprio Estado, através do Tribunal Nacional de Avaliações de Preços, no momento em que a firma vale US$ 19 bilhões no mercado acionário mundial.
O objetivo da desapropriação é "assegurar o êxito do abastecimento de hidrocarbonetos", perdido no momento -a Argentina apresenta deficit de US$ 7 bilhões em sua balança comercial energética, que pode chegar a US$ 12 bilhões/US$ 14 bilhões nos próximos dois anos.
O Estado argentino garante assim o controle da empresa, com 51% das ações desapropriadas, enquanto as províncias produtoras se limitam a 49% desse total.
Vale lembrar que na Argentina, desde a reforma constitucional de 1994, o domínio dos recursos naturais está nas mãos das províncias e não do Estado nacional -razão pela qual o controle majoritário das ações por parte do Estado se dá em detrimento dos direitos constitucionais das autoridades subnacionais, em um país que é historicamente federal.
O projeto de desapropriação determina a remoção imediata dos diretores, o que significa a virtual expulsão dos dirigentes espanhóis.
A decisão de Cristina foi anunciada na tarde de ontem na Casa Rosada como "um ato de recuperação da soberania", diante de um público composto não apenas por altos funcionários e convidados especiais, mas também por militantes políticos.
A medida tomada pela presidente implica de imediato um conflito de Estado com Estado, nação com nação, entre Espanha e Argentina -algo cuja importância é difícil dimensionar de imediato, mas certamente é grande.
A posição espanhola de rejeição da desapropriação revela um consenso nacional que vai do governo de Mariano Rajoy (PP) à oposição social-democrata do PSOE.
Nesse sentido, na semana passada, a principal força de oposição na Espanha, liderada por Alfredo Pérez Rubalcaba, assinalou em comunicado público seu "rechaço completo" ao que, até então, não passava de uma ameaça argentina e seu pleno apoio ao governo conservador de Rajoy nesse ponto específico.
A Europa cerrou fileiras com a Espanha, e os 27 países da região veem a decisão argentina como um "ato de agressão", não apenas contra uma empresa europeia (Repsol) como contra a União Europeia como entidade política supranacional.
A decisão de Cristina acontece no momento em que o conjunto do sistema internacional rejeita o controle de importações -40 países denunciaram a Argentina ante a Organização Mundial do Comércio no último mês-, consequência do controle de câmbio determinado pelo governo desde outubro de 2011.
O controle de câmbio não foi uma prova de radicalização do governo, mas sim uma saída que se tornou necessária -consequência de uma fuga maciça de capitais que alcançou seu ponto crítico em outubro, quando saíram do país US$ 3,4 bilhões; desde janeiro de 2011, o valor chegou a US$ 22,5 bilhões.
Resumindo: é provável que esta decisão de Cristina Kirchner de desapropriar a maior empresa petrolífera europeia tenha amplas consequências internacionais.
JORGE CASTRO, colunista do "Clarín", foi secretário de Planejamento de Carlos Menem (1998/99).
Tradução de CLARA ALLAIN
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