Especialistas dizem que solução para Europa é limitar a brutalidade dos planos de austeridade
Claire Gatinois, Frédéric Lemaître e Philippe Ricard -Le Monde
Por mais que os economistas refaçam seus cálculos, mudem cá e lá um parâmetro, algo não está funcionando mais. Dizem eles que os planos de austeridade, impostos ao sul da Europa, a Portugal, à Espanha ou à Itália, são insustentáveis economicamente, perigosos do ponto de vista social e ineficazes do ponto de vista fiscal, com metas de redução de déficit simplesmente inatingíveis.
"Chegamos ao final. Agora, estamos à beira do abismo", resume Patrick Artus, economista-chefe da Natixis e professor da Escola Politécnica. Nem todos os especialistas são tão radicais assim. Mas muitos deles acreditam que o rigor, duro demais, arrasta as economias para uma espiral de recessão minando seus esforços de desendividamento.
Estariam eles errados? A Itália, que acaba de adiar sua meta de retorno ao equilíbrio das contas públicas por causa do agravamento da crise – a queda de seu produto interno bruto (PIB) está estimado em 1,2% este ano, contra 0,4% anteriormente - , assim como a Espanha, que revisou de 4,4% para 5,3% sua meta de déficit orçamentário em 2012, parecem lhe dar razão.
E mais: esses reajustes não bastarão, provavelmente. São poucos os especialistas que acreditam que Madri cumprirá suas promessas. "Os ministros das Finanças da zona do euro estão pedindo por um esforço de economias equivalente a 3,2 % do PIB, sendo que a economia terá uma retração de 1,5%. Para se ter uma ideia, na primavera de 2011, a Comissão pedia por menos de 2% do PIB, ao passo que o crescimento devia se acelerar de +0,8% em 2011 para +1,5% em 2012", afirmam surpresos, em uma nota, os especialistas do Bank of America Merril Lynch.
"Por razões políticas, existe uma obstinação em buscar metas que estão fora de nosso alcance. Ninguém acredita nelas, ninguém as quer. Mas 'mesmo assim se vai atrás'. É absurdo", se alarma Daniel Cohen, professor de economia na Escola Normal Superior. Ele diz ainda que continuar nesse caminho poderia resultar em uma implosão da zona do euro, levando os países a saírem da união monetária para evitar a ruína de suas economias e a ira da população.
Escapar de tal destino ainda é possível. Existem soluções. A maior parte dos especialistas sugere, entre outras coisas, abandonar esses planos de austeridade anuais de metas excessivamente severas, em troca de programas plurianuais, elaborados em conjunto com Bruxelas, com metas razoáveis, mesmo que isso signifique uma menor ambição. "Pelo menos uma vez, poderíamos nos inspirar na China e em seus planos quinquenais", brinca Steen Jakobsen, economista do Saxo Bank que teme por uma revolta social acompanhada de agravamento do desemprego na Espanha e até mesmo na França.
Artus vai um pouco mais longe ao propor que se reforce o papel do Banco Central Europeu (BCE), a fim de reduzir o custo do crédito nos países em crise. Como? Ao conduzir uma política monetária expansionista que lhe permitiria comprar em massa empréstimos do Estado para fazer as taxas caírem. "As políticas de consolidação fiscal que deram certo na Suécia ou no Canadá foram ajudadas pelas políticas monetárias", ele lembra.
Segundo especialistas, os mercados podem aceitar essa concessão. Eles dizem que mais vale um plano de austeridade plausível e respeitável do que programas audaciosos constantemente revisados.
Mas para isso seria preciso convencer Bruxelas e, sobretudo, a Alemanha. A essa altura, os dirigentes europeus ainda estão tentando dar credibilidade para o dispositivo criado no auge da crise – sobretudo o reforço do pacto de estabilidade – a fim de melhorar a disciplina coletiva e evitar os erros do passado.
No entanto, alguns dirigentes estão tentando não ocultar o apoio ao crescimento, e propostas começam a ser divulgadas. Olli Rehn, comissário europeu para assuntos econômicos, acaba de pedir pelo aumento do capital do Banco Central Europeu de Investimentos (BEI), a fim de potencializar suas capacidades de intervenção para financiar projetos.
Já seu colega Laszlo Andor identificou três minas de empregos que devem ser privilegiadas: o meio ambiente, as tecnologias digitais e o setor de saúde, e ele quer facilitar a mobilidade dos desempregados, para incentivá-los a se candidatarem em países onde existe escassez de mão de obra, como a Alemanha.
Privilegiar a solidariedade
Ainda incipientes, as reflexões poderão se acelerar caso François Hollande chegue ao poder. O candidato socialista à presidência francesa de fato anunciou seu desejo de acrescentar uma parte de "crescimento" ao pacto orçamentário assinado no dia 2 de março por 25 chefes de Estado e de governo. Pacto esse iniciado pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo presidente Nicolas Sarkozy. "Hollande tem toda a razão, e ele será apoiado por Mariano Rajoy, chefe do governo espanhol, e por Mario Monti [presidente do Conselho italiano]", já prevê Artus.
Resta resolver o caso da Alemanha. Poderia o número um da Europa, de finanças impecáveis, ir contra seus princípios de ortodoxia? Não é nada impossível, uma vez que o país está mais dividido do que se diz. Na última quinta-feira (19), durante a apresentação oficial de suas previsões para a primavera, os cinco principais institutos de conjuntura alemães não conseguiram disfarçar suas divergências.
Dois deles chegam a sugerir que o BCE tenha um papel de "emprestador em último caso" dos Estados, para desagrado dos conservadores do Bundesbank (banco central alemão). Quanto à oposição social-democrata e aos Verdes, eles também querem complementar os planos de rigor com medidas que favoreçam o crescimento.
Gerhard Schröder, autor do "milagre alemão" graças às reformas que ele iniciou no país, também passou um sermão em seus compatriotas. A Grécia, ele diz, não pode gerar crescimento sozinha. Aprovando a ideia de Hollande de complementar o pacto fiscal, o ex-chanceler propõe utilizar parte dos fundos destinados à política agrícola comum para criar uma política industrial comum. Um apelo para privilegiar a solidariedade no lugar da austeridade?
Tradutor: Lana Lim
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