O descarte da pessoa, isolada, face ao leviatã
Orlando Braga - MSM
O homem atual não vive no espaço e no tempo; em vez disso, vive na geometria e nos cronômetros.
Nicolás Gómez Dávila
Num dos últimos programas “Avenida da Liberdade” na RTPN, Bagão Félix chamou à atenção para o fenômeno da extrema efemeridade dos acontecimentos, e a tal ponto que fatos e eventos de relevo são esquecidos a uma velocidade estonteante. Na década de 70 do século findo, Alvin Toffler já nos tinha precavido deste fenômeno emergente da velocidade dos acontecimentos, mas nunca o americano poderia ter previsto o caráter de extrema radicalidade da vertigem dos fatos e, sobretudo, as consequências dessa radicalidade não só para a cultura antropológica e intelectual, mas também e essencialmente para a organização da vida em sociedade.
Em seu livro “O Choque do Futuro”, publicado em início da década de 70, Alvin Toffler fez uma comparação que se tornou célebre: a do cidadão atual que faz uma viagem de avião e que, entre aeroportos, se cruza com mais pessoas e em um só dia, do que um aldeão do princípio do século XX em toda a sua vida. Não só os fatos se tornaram efêmeros na memória, mas as pessoas — que não são fatos — tornaram-se descartáveis. Ora, este fenômeno de “descarte da pessoa” não é apenas característico do pós-modernismo: ele teve a sua origem no próprio modernismo com o niilismo ideológico ativo das elites, sendo que, com o pós-modernismo, o niilismo ativo da elite sofreu um efeito de trickle-down e transferiu-se para o cidadão anônimo sob a forma de “niilismo cansado”, segundo o conceito de Nietzsche.
O cidadão que vivia em comunidade, mesmo nos bairros das grandes cidades há apenas 60 anos, passou a viver em rede social a partir da década de 60, e paulatinamente passou a viver em um quase-anonimato. A família natural tem vindo a ser destruída e os laços familiares tornaram-se efêmeros. Com a democracia, a sociedade dividiu-se em uma série de religiões políticas que se opõem, muitas vezes de uma forma irracional e feroz; pais opõem-se a filhos, e irmãos a irmãos; amigos de infância desencontram-se para toda a vida em função de diferenças ideológicas; passamos a viver em uma Babel das Ideias.
O custo da vertigem do tempo subjetivo e da voragem dos fatos, é a morte progressiva da sociedade em que vivemos; é a sua destruição por dentro. Naturalmente que ninguém de bom-senso pode pretender voltar atrás no tempo e/ou eliminar o ruído da modernidade; mas podemos combater o descarte da pessoa, equilibrar e racionalizar o nosso tempo subjetivo, voltar à comunidade do bairro através do associativismo ativo, das comunidades e instituições da sociedade civil — e fazer com que os acontecimentos passem à velocidade que nós queremos, apesar de sermos por isso criticados pelos apologistas “progressistas” e apocalípticos do trans-humanismo.
“O ruído é uma invenção moderna. O ruído moderno ensurdece a alma.”
Nicolás Gómez Dávila
www.espectivas.wordpress.com
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