A velha face da América Latina
O Estado de S.Paulo
A velha América Latina do populismo e das políticas voluntaristas ganha de novo espaço no cenário internacional, com a truculenta reestatização da YPF. Essa marca da latinoamericanidad nunca foi inteiramente apagada, mas vinha sendo ofuscada pelos sinais de modernização de um continente conhecido até o fim do século passado pela instabilidade política, pela irresponsabilidade da gestão econômica e pelas crises financeiras frequentes. De repente, a imagem do passado novamente se manifestou, com vigor, e atraiu a atenção num foro multilateral. Provocado para falar sobre a nova ação do governo argentino, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, classificou-a como um erro e alertou para a importância de acompanhar com atenção os sintomas de populismo. No dia anterior, o assunto havia sido tratado pelo economista Augusto de la Torre, responsável, no banco, pela seção da América Latina. É importante, disse ele, esclarecer rapidamente as condições da expropriação e da compensação, porque essas informações são essenciais para os investidores. Ele teria sido mais didático se chamasse a atenção para os erros cometidos na Venezuela.
Nos anos 90 os latino-americanos começaram a deixar de buscar auxílio do FMI. Alguns, incluído o Brasil, se tornaram fornecedores de recursos para operações de emergência. O Chile tomou a dianteira da renovação, ficou isolado por algum tempo, mas acabou sendo seguido por vários vizinhos.
Desde o agravamento da crise financeira, em 2008, o mundo rico passou a ser o foco dos problemas globais e das preocupações de entidades como o FMI, tomando o lugar ocupado por muito tempo pelos latino-americanos e outros países em desenvolvimento. As instituições multilaterais elevaram ao primeiro plano dois desafios - ajudar na recuperação da economia global e na reordenação do sistema financeiro, socorrendo, ao mesmo tempo, os países mais pobres da África, do Sul da Ásia e, em menor número, da América Latina. Essa ordem de preocupações permanece, mas o cenário foi perturbado, mais uma vez, pelo alerta lançado de Buenos Aires. O passado está vivo e velhos vícios podem manifestar-se de forma assustadora a qualquer momento.
Neste ano, como na maior parte da última década, os latino-americanos ficaram num confortável segundo plano, na lista das inquietações dos dirigentes do FMI e do Banco Mundial. Na reunião de primavera das duas instituições entraram em pauta a análise das medidas adotadas para enfrentar a crise da Europa e os sinais de melhora na zona do euro.
Mas há perigos importantes à frente, advertiram dirigentes e especialistas. O epicentro da crise continua na Europa, mas os emergentes - que enfrentaram a crise global com sucesso até agora - continuam vulneráveis a choques externos. A lista dos riscos inclui o ajuste dos bancos europeus, com a provável contração de seus empréstimos, e a instabilidade dos fluxos financeiros. A ameaça de um choque parecido com o da quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, permanece no horizonte. Além disso, há riscos internos, derivados, por exemplo, da rápida expansão do crédito em países como a China e o Brasil. Mas são, de modo geral, problemas muito diferentes daqueles tradicionalmente vividos nos países latino-americanos. É como se esses países houvessem subido vários degraus na escala da seriedade e da respeitabilidade. Não se trata de enfrentar a inflação descontrolada ou a velha crise do balanço de pagamentos. Há problemas, mas decorrentes principalmente do forte ingresso de capitais e da valorização cambial. No caso brasileiro há o problema especial do "custo Brasil", mas é possível enfrentá-lo antes que provoque consequências graves.
Já a nova estripulia argentina chama a atenção principalmente porque mostra a persistência de alguns dos piores vícios políticos da região. Durante anos, as estatísticas argentinas foram citadas com reservas em documentos do FMI e as ressalvas novamente apareceram no Panorama Econômico Mundial divulgado nesta semana. Falta encontrar a bala de prata capaz de liquidar certos males da latinoamericanidad.
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