domingo, 19 de agosto de 2012

ENQUANTO A ESPANHA AGONIZA, IMIGRANTES ILEGAIS TENTAM DE TODAS AS FORMAS PERMANECER NO PAÍS

Imigrantes recorreram a casamento arranjado para regularizar situação na Espanha
Patricia R. Blanco - El Pais
Roberto viajou à Espanha porque um amigo havia lhe prometido um contrato de trabalho em uma imobiliária. Deixou seu país, o Uruguai, e sua empresa, "uma loja" que era suficiente "para viver, mas não para poupar". "No início comentei a ele que não podia ir porque não tinha documentação e não queria ficar de maneira ilegal, mas ele me prometeu que a empresa acertaria tudo", explica Roberto, que prefere ocultar seu verdadeiro nome. Porque agora sim, tem os documentos regularizados, mas não graças à empresa, que nunca cumpriu sua promessa, e sim a uma amiga que se ofereceu para casar-se com ele. "Fiz isso pelos papéis", admite.
"Sem documentação você fica preso em um país, cada vez que sai pensa que poderá ser preso e que podem deportá-lo", reflete Roberto. A partir de 1º de setembro, soma-se outra ameaça: a perda da assistência de saúde para os sem documentos que não puderem pagar 710 euros por ano.
Embora seja quase impossível saber o número de imigrantes que recorreram a um casamento "branco" para regularizar sua situação na Espanha, fontes policiais e judiciais admitem que são "muitos", especialmente depois da explosão da crise econômica, diante da "dificuldade para obter a carteira de residência através de um contrato de trabalho".
Como pista, o número de casamentos entre espanhóis e extracomunitários aumentou de 8.392 em 2004 para 20.551 em 2009. Em 2010 sofreu uma queda, para 8.828. Esse declínio coincide, porém, com a aprovação da nova Lei de Estrangeiros, que permite a reunião familiar através de casais de fato. "Estamos notando um aumento muito grande desse tipo de união entre espanhóis e estrangeiros não comunitários, porque não são necessários tantos requisitos como nos matrimônios", reconhecem fontes da Unidade Contra Redes de Imigração e Falsidades Documentais (Ucrif).
Roberto não tinha alternativa. A imobiliária para a qual trabalhava nunca teve a intenção de contratá-lo. "Depois de um ano e meio na Espanha, as vendas caíram, e percebi que tinha me enganado", afirma com tranquilidade. O que mais lamenta é que lhes " interessasse mais com papéis que sem papéis". Enquanto ele ganhava "pouquinho" - um fixo de 400 euros por mês mais comissões -, seus chefes "economizavam muitos impostos".
Ninguém em seu escritório tinha permissão de trabalho, e os obrigavam a "estar sempre na rua, fizesse calor ou 10 graus abaixo de zero" para escapar dos controles policiais.
"Quando perceberam que eu ia me casar, não gostaram nada e me disseram que iam perceber que o casamento não era por amor", conta com certa ironia. Nunca os descobriram. A funcionária que os atendeu no Registro Civil disse que o juiz poderia lhes pedir para fazer uma entrevista, embora parecesse que "seu casamento era de verdade".
Demonstrar que uma união é fraudulenta é muito difícil. "O casamento com alguém sem papéis não é um crime; o crime é o favorecimento da imigração irregular, e é muito complicado demonstrar que alguém está lucrando" em troca de que um imigrante consiga a carteira de residência, explicam na Ucrif. Às vezes "há indícios", por exemplo quando o casal não vive no mesmo domicílio, "mas pode significar que cada um trabalha em uma cidade".
Em outras ocasiões é mais claro, como "o típico casamento entre um cigano e um nigeriano, que são os primeiros que começamos a detectar", acrescenta um membro da unidade contra os crimes de estrangeiros. Mas uma vez casados é "quase impossível" anular um casamento, a não ser que tenham usado "documentação falsa".
Em 2011 foram recusados 122 casamentos mistos, quase o dobro de 2010, segundo fontes judiciais. Além disso, a Ucrif desarticulou no ano passado dez redes e 51 serviços - grupos que carecem da estrutura de uma rede - que organizavam casamentos fraudulentos com imigrantes irregulares em troca de dinheiro. A última operação conhecida ocorreu em junho passado, com 17 detidos. Fontes da unidade reconhecem que as investigações nessa área se intensificaram nos últimos anos.
Horacio P., de origem colombiana, contatou uma rede que arranjava casamentos e pagou 5 mil euros. "Foi muito fácil, me ofereceram através de um conhecido, eu nem procurei." E não se arrepende: "Hoje tenho a nacionalidade espanhola".
Roberto também está orgulhoso de sua decisão, e conseguiu um contrato. Primeiro na imobiliária em que trabalhava, embora nunca tenham melhorado suas condições, e ganhou durante dois meses mais no mercado negro. Meio ano depois já tinha encontrado outro emprego. Por isso não pretende voltar ao Uruguai: "Sinto-me bem aqui, fiz muitos sacrifícios, mas não me arrependi".
A fraude em cifras
- Casamentos recusados. Em 2011 foram estimados 122 recursos por casamentos fraudulentos entre espanhóis e não comunitários, 28 a mais que em 2009 e 54 a mais que em 2010.
-Casamentos mistos. O número de casamentos entre espanhóis e extracomunitários aumentou de 8.392 em 2004 para 20.551 em 2009. Em 2010 sofreu uma queda, para 8.828. Nesse ano foi aprovada a nova Lei de Estrangeiros, que permite a reunião familiar através de casais de fato.
- Operações policiais. Em 2011 a Ucrif desarticulou dez redes e cinco serviços - grupos sem a estrutura de uma rede - e deteve 99 pessoas pertencentes a redes. No primeiro trimestre de 2012 foi desarticulado uma rede. Na maioria, os detidos são espanhóis.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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