Nos jornais dos ex-presidentes, obras rodoviárias e assassinato de vereador valem mais que o menslão
JÚLIA RODRIGUES - VEJA
Em 31 de julho, uma terça-feira, os principais jornais do país reservaram a manchete da edição ao início iminente do mais importante julgamento da história do Brasil. “Supremo se articula para evitar atraso no mensalão”, anunciou na primeira página, por exemplo, a Folha de S. Paulo. No mesmo dia, o Estado do Maranhão, oitavo maior jornal do nordeste, optou por outro assunto: “Retomada da licitação para obra na BR-135 é autorizada”. Disfarçada de notícia relevante, a informação sobre a rodovia que interliga as regiões sul e sudeste ao norte e nordeste serviu de pretexto para louvar o que teria sido uma “vitória para a bancada maranhense no Congresso Nacional e para o Governo do Estado”.
No dia seguinte, o Globo tratou do mensalão em quatro páginas, uma das quais dedicada a José Dirceu, denunciado como chefe da quadrilha por dois procuradores-gerais da República. Para a Gazeta de Alagoas, que distribui 12 mil exemplares em dias úteis e 20 mil aos domingos, muito mais importante foi a absolvição do prefeito de Delmiro Gouveia, Luiz Carlos Costa, acusado de planejar a morte de um vereador. O julgamento que começaria no dia seguinte foi comprimido em um quarto de página.
Comandadas pelos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, as duas publicações obedecem a uma espécie de controle social da mídia que leva em conta não os interesses dos leitores, mas as conveniências dos donos. Se não recorrerem a outras fontes de informação, maranhenses e alagoanos pouco ou nada saberão do que se passa no Brasil real.
Em 2 de agosto, o Estadão tratou em oito páginas do começo do julgamento e reproduziu no alto da página uma frase de Roberto Gurgel: “Fazer justiça é condenar a todos”. Na edição do Globo, o mensalão mereceu seis páginas e a manchete principal: “Réus sofrem derrota na véspera do julgamento”. Coerentemente, o Estado do Maranhão continuou a percorrer a mesma estrada. O mensalão perdeu de longe para o noticiário sobre a licitação na BR-135 e empatou em centimetragem com a Semana de Amamentação. O editorial, de novo, exaltou os esforços da governadora Roseana Sarney para livrar os maranhenses da pobreza.
A herdeira da capitania hereditária é a figura dominante no diário da família. Em 24 de maio, enquanto o Estadão se alarmava com a lentidão paquidérmica do governo federal ─ “Só 5% das obras da Copa estão prontas”, constatou a manchete ─, seu similar maranhense destacou a inauguração de uma via pavimentada. Quem lê apenas o Estado do Maranhão tem a sensação de que Roseana Sarney está em campanha permanente para disputar a presidência da República.
Na Gazeta de Alagoas, Fernando Collor não é tão incensado quanto Roseana no Estado do Maranhão. A julgar pela baixa qualidade dos textos, é provável que o agora caçador de jornalistas não leia o que é publicado nas páginas que controla. O material comprado de agências de notícias é publicado na íntegra, sem retoques nem correções. O mensalão não é tão menosprezado quanto no diário maranhense, mas está longe de alcançar o espaço merecido.
Em ambas as publicações, prevalece a orientação dada por Antônio Carlos Magalhães na primeira reunião com os editores do Correio da Bahia: “Eu só quero que vocês gostem de mim”. Os funcionários de Sarney e Collor foram um pouco mais longe. Pelo que se lê, eles amam seus patrões.
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