quarta-feira, 1 de agosto de 2012

PADRES PEDÓFILOS DEVEM IR PARA A CADEIA. SEM POSSIBILIDADE DE PERDÃO

"Monstros de batina" precisam saber que podem acabar na prisão
Jorge Ramos - UOL

  • Tim Shaffer/Reuters
    Monsenhor William Lynn, o primeiro padre católico na história dos EUA a ser condenado por encobrir agressores sexuais dentro da Igreja
    Monsenhor William Lynn, o primeiro padre católico na história dos EUA a ser condenado por encobrir agressores sexuais dentro da Igreja
Monsenhor William Lynn passará pelo menos três anos na prisão. É onde ele deveria estar desde sempre. É um criminoso: permitiu que outro sacerdote abusasse sexualmente de um menino de 10 anos. Como disse a juíza do caso, M. Teresa Sarmina, monsenhor Lynn protegeu "monstros de batina".
É a primeira vez na história dos EUA que um padre católico é condenado por encobrir agressores sexuais dentro da igreja. Em vez de denunciá-los ou entregá-los à polícia, Lynn mudava esses sacerdotes de paróquia ou simplesmente fazia vista grossa.
Entre 1992 e 2004 Lynn foi o encarregado de investigar acusações de casos de abuso dentro da arquidiocese da Filadélfia e nunca --nunca-- se pôs do lado das vítimas. Quando apresentavam acusações contra padres da paróquia, preferia esconder os crimes. Por isso vai para a prisão.
Lynn expôs muitos meninos a ser violentados sexualmente. Mas, concretamente, foi considerado culpado por encobrir os crimes de um padre: Edward Avery. Avery passou seis meses em um centro psiquiátrico da igreja em 1993 depois de uma acusação de abuso sexual. Mas, depois, Lynn o mandou viver em um reitorado --com acesso a crianças e violando as recomendações dos médicos. A decisão teve consequências terríveis. Em 1999 Avery obrigou um coroinha de 10 anos a ter sexo oral com ele. Avery reconheceu seu crime e poderá passar até cinco anos em uma prisão.
Embora uma sentença de encarceramento seja incomum quando se trata de um sacerdote, abster-se de fazer o correto não o é. O que monsenhor Lynn fez é a mesma coisa que fazem muitos líderes da Igreja Católica em todo o mundo --encobrem sacerdotes pedófilos ao longo dos anos e, ao ficarem em silêncio diante desses crimes, se transformaram em cúmplices dos mesmos.
Tal silêncio é endêmico na igreja em todos os níveis, inclusive chegando ao Vaticano, onde ainda permanecem sem resposta muitas perguntas sobre o que o papa Bento 16 fez ou deixou de fazer sobre Marcial Maciel, o padre mexicano fundador dos Legionários de Cristo. Depois da morte de Maciel, em 2008, os Legionários admitiram que Maciel havia abusado sexualmente de seminaristas e que era pai de vários filhos.
O papa, então cardeal Ratzinger, foi o encarregado da Congregação da Doutrina da Fé de 1981 a 2005 e sua responsabilidade era exatamente investigar os casos de abuso sexual dentro da igreja. A seu escritório chegaram todos os documentos que comprovavam os crimes sexuais de Maciel. Mas ele nada fez.
Ratzinger obedeceu ao então papa João Paulo 2º --o principal encobridor de Maciel-- ou decidiu ocultar seus crimes? Seja como for, colocou-se do lado dos criminosos e não das vítimas. O comportamento do atual papa Bento 16 foi idêntico ao de monsenhor Lynn. A diferença é que Bento 16 nunca terá de responder a essas acusações, nunca terá de prestar contas de seu silêncio.
Sei que é incômodo falar disso, mas é preciso fazê-lo. Recebo muitas mensagens e tuítes perguntando por que insisto em falar sobre esse tema. E creio que devo dar uma explicação. Em primeiro lugar é uma questão jornalística: é nossa obrigação denunciar os abusos de poder, onde quer que ocorram. Mas também é uma questão pessoal.
Quando eu era menino, na escola do Centro Escolar del Lago (antes Colégio Tepeyac) no Estado do México, havia três padres beneditinos que nos agrediam, humilhavam e intimidavam. Vários estudantes sofremos seus abusos de autoridade durante os cursos primário, secundário e preparatório.
Esses sacerdotes nos batiam brutalmente com solas de sapatos (que chamavam de "neolaitazos"), nos puxavam pelas costeletas até nos levantar do chão e criaram um clima prejudicial de medo e repressão na escola. Com eles mesmos tínhamos de nos confessar às sextas-feiras.
Suponho que meus companheiros e eu tivemos sorte de não sofrer abusos sexuais, como ocorreu em outras escolas e paróquias. O abuso físico e mental foi constante, aberto e até elogiado por esses supostos educadores religiosos. Nasci católico, mas lá, de golpe em golpe e de ameaça em ameaça, deixei de sê-lo. Muito cedo aprendi que não queria fazer parte do mesmo grupo a que pertenciam esses três sacerdotes. Muitos professores e pais de família sabiam o que acontecia na escola --as surras, os abusos físicos, as humilhações públicas, as ameaças sádicas--, mas ninguém saiu em nossa defesa. Ninguém.
Por isso, hoje, quando nos inteiramos de outros abusos por parte de religiosos católicos, não devemos ficar calados. Especialmente na América Latina, onde poucos se atrevem a questionar os padres. Esse silêncio é cúmplice e promove mais abusos.
A prisão de monsenhor Lynn é bem-vinda e necessária, mas tardia e insuficiente. Os "monstros de batina" e seus cúmplices não devem se sentir seguros em lugar nenhum. Embora nos falem sobre o céu, têm de saber que sua próxima parada pode ser a prisão.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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