Relembrando heróis de tempos sombrios
Steven Horwitz - OL
Eu tive a sorte de passar a última semana dando aulas de Economia Austríaca Avançada em um seminário na mansão da Foundation for Economic Education (FEE), em Irvington-on-Hudson. Como os leitores talvez já saibam, a mansão foi vendida. Mas embora ainda possa demorar algum tempo até que os obstáculos burocráticos sejam vencidos, é provável que essa tenha sido a última vez que eu estive lá para esse seminário especial. Na última noite, a fundação promoveu um evento em que estiveram presentes dezenas de ex-participantes dos seminários e apoiadores da FEE. Em certo momento, me dirigi à biblioteca e fiquei por lá sozinho, talvez pela última vez.
Aquela biblioteca é especial por sido ocupada por algumas das figuras mais importantes do liberalismo clássico do século XX, incluindo Leonard Read, Ludwig von Mises, F. A. Hayek, Henry Hazlitt, e Israel Kirzner, entre muitos outros. O que eles fizeram nos últimos 66 anos para manter viva a chama da liberdade foi verdadeiramente heroico — e esse é um termo que eu utilizo com cuidado. Eles não apenas a mantiveram a chama acesa, como também a alimentaram e expandiram o seu alcance, até que as ideias com as quais se comprometeram chegassem aos tempos de hoje com muito mais brilho, nos Estados Unidos e em todo o mundo.
O que é mais impressionante sobre o trabalho que desenvolveram naquela sala, e sobre os primeiros anos da FEE em geral, é o quanto aqueles dias foram sombrios para as ideias liberais clássicas. Pode ser difícil acreditar – vivendo em um mundo onde enfrentamos governos cada vez maiores no ocidente, enquanto déficits enormes e dívidas ameaçam a nossa prosperidade e a dos nossos filhos e netos – que as coisas já estiveram piores. Quando tantas vozes, pelo menos desde 2008, clamam por governos cada vez maiores — enquanto condenam o capitalismo em virtude da expansão e da contração criada pelos governos — é compreensível que muitos liberais clássicos, principalmente os mais jovens, pensem que esses são os tempos mais difíceis que já vivemos.
Mas eles não são.
O triunfo keynesiano
O mundo do fim dos anos 1940 era muito pior. Na economia, os defensores da livre iniciativa estiveram, no período entre guerras, cercados por uma combinação de keynesianismo e “socialismo de mercado”. Apesar dos esforços de Hayek e outros, a revolução keynesiana dominou a profissão, com o argumento que as economias precisavam de direcionamento macroeconômico e déficits orçamentários para evitar as falhas inerentes ao capitalismo. Mises e Hayek defendiam uma tese, por fim justificada, contrária ao socialismo. Mas os economistas, filosoficamente e teoricamente influenciáveis, aceitavam as alegações de que o socialismo poderia ser tão eficiente quanto o capitalismo. Quando a FEE foi fundada em 1946, todos os economistas verdadeiramente comprometidos com o liberalismo clássico caberiam naquela biblioteca.
Politicamente, o número de intelectuais públicos ou figuras políticas inclinadas à defesa da livre iniciativa era igualmente pequeno ou talvez ainda menor. A visão mais aceita era que o capitalismo tinha fracassado e que uma alternativa era necessária. Talvez pudesse ser uma forma de socialismo, mas certamente envolveria um governo muito maior. Propostas em favor de um planejamento “científico” da economia eram comuns no ocidente, principalmente na Grã-Bretanha, e não havia nenhum canal para que os defensores do liberalismo clássico divulgassem as suas ideias.
Era esse o mundo onde atuavam Read, Mises, Hayek, Hazlitt e, um pouco mais tarde, Kirzner. O comprometimento deles com essas ideias – bem como a coragem intelectual para continuarem a desenvolvê-las e promovê-las quando eram vistas como estando além dos limites de uma discussão intelectual séria – é surpreendente.
Um novo mundo
Nos dias atuais, nós ainda enfrentamos ambientes amplamente hostis na mídia, na academia e entre as classes intelectuais e políticas. Entretanto, a presença de liberais clássicos em todas essas arenas é muito maior do que costumava ser. E isso está claro, mesmo se olharmos apenas para a economia austríaca. Em 1946, talvez existissem no máximo, dez economistas da escola austríaca em atividade. Hoje existem milhares ao redor do mundo. Existem pelo menos duas revistas acadêmicas dedicadas à economia austríaca, bem como os vários centros de pesquisa e séries de livros. Os austríacos estão na TV e em outros veículos da mídia, e suas ideias são parte do debate político graças a Ron Paul e outros.
O mesmo pode ser visto, talvez até em uma escala maior, no movimento pela liberdade em geral. As ideias libertárias estão no debate. As caricaturas que frequentemente são feitas dessas ideias significam apenas que elas se tornaram importantes o suficiente. Nós também temos as nossas próprias plataformas para divulgarmos nossas ideias e a internet nos deu a possibilidade de compartilhá-las com milhões de pessoas, de uma forma muito mais fácil que as disponíveis anteriormente. À medida que as ideias se espalham, elas criam raízes, e crescimento espetacular dos Estudantes Pela Liberdade é um bom presságio para o futuro.
Por fim, o maior inimigo da liberdade está morto. O socialismo mais duro não está em discussão e a União Soviética e seus satélites foram enviados para a lixeira da história. E uma razão importante para que isso acontecesse foi o trabalho desse pequeno grupo de intelectuais que ocupou a biblioteca da FEE por tantos anos. Nós seríamos remissos, caso não reconhecêssemos a coragem e a liderança desse grupo, ao nos despedirmos daquela sala.
* Publicado originalmente na revista The Freeman
Sobre o Autor
Steven G. Horwitz é economista da St. Lawrence University
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