terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Amor midiático de casal Obama tem raiz no marketing político
Rosario G. Gómez e Cristina F. Pereda - El Pais
Jewel Samad/AFP
22.jan.2013 - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a primeira-dama, Michelle Obama, dançam durante festa após cerimônia de posse no Centro de Convenções Walter E. Washington, em Washington (EUA)
22.jan.2013 - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a primeira-dama, Michelle Obama, dançam durante festa após cerimônia de posse no Centro de Convenções Walter E. Washington, em Washington (EUA)
"Hoje só tenho que fazer mais uma coisa", afirmou o presidente Obama durante o baile realizado em Washington para comemorar sua posse. "Tenho um encontro. Ela faz que eu seja um homem melhor e um presidente melhor. Talvez alguns ponham em dúvida minha qualidade como líder, mas ninguém põe em dúvida as qualidades da primeira-dama. Senhoras e senhores, apresento-lhes minha melhor metade e minha companheira de baile: Michelle Obama."
Imaginam Mariano Rajoy falar em seu discurso de posse sobre Elvira Rodríguez como sua metade da laranja? Ou um comício de campanha de Alfredo Pérez Rubalcaba no qual apareça rodeado de sua família, ao estilo Sarah Palin? O que na Espanha parece algo completamente inverossímil ocorre nos EUA com absoluta naturalidade. A família e a política formam uma dupla compacta no mundo anglo-saxão, enquanto na Europa persiste um muro intransponível entre a vida pública e a privada.
Os especialistas consideram que comportamentos como o de Obama correspondem a estratégias próprias do marketing empresarial. Com os políticos ocorre o mesmo que com esses altos executivos cujas empresas impõem um estilo de vida social que os identifique, e a suas famílias, com a imagem da marca que lhes paga. "O marketing político nos EUA não passa de uma transferência do marketing empresarial para a política. Não se vota só no político, vota-se na pessoa", diz Xesca Vidal, doutora em ciências da informação, psicóloga e especialista em comunicação pública.
Nas campanhas eleitorais americanas é comum o recurso aos "surrogates" [substitutos], pessoas próximas do candidato, principalmente familiares, que intervêm em seu nome e o substituem em muitos atos, salienta o consultor em comunicação estratégica Xavier Roig. O "surrogate" mais valioso sempre é a mulher do candidato.
"Por trás dessas práticas há uma razão de respeito à tradição conservadora, mas também outra de eficiência. Em uma campanha eleitoral americana, trata-se de reiterar a mensagem por todos os meios possíveis e com a maior intensidade. Integrar a família à campanha é uma medida de eficiência", salienta Roig.
Além disso, ele acrescenta, a mulher pode proporcionar aos cidadãos, e definitivamente aos eleitores, muita informação sobre o candidato. Seria o caso, diz, de Michelle Obama, Hillary Clinton, Cherie Blair ou da mulher do presidente Bartlett na série de televisão "West Wing". "Em todos esses casos, trata-se de profissionais de sucesso à margem da referência de seus maridos."
Olivia Fox Cabane, autora do livro "El Mito del Carisma" e especialista em técnicas de comunicação e liderança, afirma que uma das grandes diferenças dos EUA é sua cultura da personalização, capaz de transformar uma pessoa individual em uma marca e em um negócio. "Isto não quer dizer que na Europa não haja certo fascínio pelas pessoas públicas, a grande diferença está em como elas mesmas se comportam diante dos cidadãos", comenta Fox. "Você nunca ouvirá a família real inglesa contar que tomou o café da manhã, mas os Obama não têm problema em contá-lo."
Xavier Roig, que tem longa experiência em estratégias de comunicação política, considera que na Europa ocorre uma maior separação entre a política e a família. Mas a pressão dos meios de comunicação aproximou a Europa de algumas pautas próprias da política americana. Ele cita os casos do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy e de sua mulher midiática, Carla Bruni, e do casal Cameron no Reino Unido.
A verdade é que no mundo anglo-saxão predomina um modelo que não é o que se pratica no Velho Continente. No primeiro, a mulher (ou o marido, embora mais raramente) desempenha um papel que tem pouco a ver com o que lhe é concedido na maioria dos países europeus, incluindo a Espanha, onde "o espaço político se reserva a quem compareceu diante dos eleitores", salienta Borja Puig de la Bellacasa, conselheiro delegado da Bassat Ogilvy Comunicación. "A soberania reside só nestes, e o cônjuge não faz parte desse contrato", acrescenta.
Os modelos ancorados em um e outro lado do Atlântico não se desenvolvem por geração espontânea. Estão muito ligados à cultura e à história, e em certa medida estão enraizados em dois tipos de moral: a católica e a protestante; esta última, "muito mais exigente", na opinião do representante da Bassat Ogilvy. E o que refletem são duas maneiras diferentes de conceber a política.
Nessa linha, Roig afirma que os valores familiares presentes na vida pública, e mais concretamente na política, derivam em boa medida da herança puritana dos fundadores. "A colonização foi, depois de tudo, uma colonização familiar, igual à conquista do oeste. São posições que adquiriram uma força renovada em consequência da revolução conservadora que vem à superfície com Reagan nos anos 1980."
O diretor da Bassat Ogilvy afirma que o modelo espanhol é "um tanto hipócrita", por se assentar no velho princípio de que "sua mão esquerda não saiba o que faz sua mão direita". Ele explica assim: Estamos acostumados a situações nas quais os protagonistas do mundo público não têm uma atitude privada exemplar.
Costuma-se dizer que o espaço privado é algo estritamente pessoal e não é objeto de um julgamento público". Esse modelo é totalmente diferente do americano, onde o público e o privado, quando se trata de personagens de relevância social, é o mesmo. Algo "enormemente exemplar", aponta Puig de la Bellacasa.
O especialista percebe que em países como a Espanha existe uma espécie de muralha entre as duas esferas. E a privada viria a ser uma espécie de mundo protegido, inexpugnável aos olhos do escrutínio público. O especialista em comunicação defende importar a ética anglo-saxã porque, na sua opinião, é "mais exemplar" e sustenta que não vale estar mudando de chapéu permanentemente: "Agora eu ponho o público, agora o privado".
A diferença do papel que desempenha um casal do presidente dos EUA e o do presidente do primeiro-ministro espanhol, por exemplo, se assenta no contraste dos modelos sociais exigidos nesses países das mulheres, explica Xesca Vidal.
As origens desse contraste "se encontram na educação transmitida familiarmente à mulher, a ambição nas expectativas de sua formação como profissional, a cultura empresarial em cada um desses países e, como consequência de todo o anterior, o marketing político adotado em cada um deles".
Ninguém pode negar que o carisma de um presidente que faz escalas em sua viagem de campanha para comprar abóboras em um posto de estrada, tomar sorvete com moradores da Flórida ou deixar-se abraçar pelo dono de um restaurante contribui para aproximá-lo dos cidadãos, algo imprescindível para qualquer candidato a um cargo como a Presidência dos EUA.
Os cidadãos procuram em seus líderes e políticos alguém que os entenda. "Os americanos se preocupam mais com o que podem ter em comum com seu presidente, se este compreende sua realidade, do que se ele faz bem seu trabalho", explica Fox.
"Se você observar todos esses elementos não verbais, ele não está dizendo abertamente que se sente feliz, mas a maneira subconsciente como julgamos o comportamento de uma pessoa nos permite sentir que sim, é feliz", afirma Jeff Thompson, pesquisador de comunicação não verbal na Universidade de Pittsburgh.
"É algo contagioso. Todos sabemos que algo tão simples como sorrir para outra pessoa pode favorecer a situação. Sua atitude afeta as pessoas que o estão vendo", diz. Thompson. E explica que é difícil apontar os detalhes que conformam o carisma do presidente ou um gesto exato com que um cidadão se sinta identificado, mas o que realmente importa é o conjunto.
Em geral, o recurso à utilização da mulher/esposa/mãe na política está ancorado nos partidos mais conservadores. São sintomáticos, indica Roig, os casos de Ana Botella - "uma mulher mulher" - e de Marta Ferrusola - "isto é uma mulher". Acrescente o caso de Barbara Bush, a mulher do presidente Bush pai, que desempenhou como ninguém o papel de vigilante familiar. Mas essa tendência não é exclusiva dos partidos conservadores. Também ocorre na esquerda. Roig cita novamente as mulheres de Clinton, Obama e a do fictício Bartlett, e como tenderam a representar posições um pouco mais radicais que as de seus maridos.
"Michelle marcou uma grande diferença de outras primeiras-damas", diz Fox. "Obama não pode fazer nada melhor que contar com ela em qualquer ato público; até agora foi sua decisão mais inteligente nesse sentido." E em cada uma dessas aparições públicas o casal parece acertar o número de abraços e beijos que se dão em público - e sentir-se à vontade com eles. Segundo os especialistas, não há casal mais fácil com que se identificar, do ponto de vista dos cidadãos, que os Obama.
"Trata-se da pessoa mais poderosa do mundo e, apesar disso, os americanos querem ver que também é humano", diz Thompson. A humanidade de Obama fica refletida em aparições depois de eventos como o massacre de Newtown, quando disse sofrer "primeiro como pai e depois como presidente". Todos os gestos ocorrem diante das câmeras, como presidente e como pai de família. "Se diz que não quer que suas filhas tenham uma conta no Facebook ou que não tivessem um telefone celular até certa idade, qualquer cidadão pode se sentir identificado com ele."
Para os analistas, o carisma de uma pessoa pública se assenta sobre três pilares: sua expressividade, sua sensibilidade e se transmite a noção de manter o controle. Nem positivo demais nem sério demais. Nem muito alegre nem muito frio. E que todas essas qualidades se encaixem no contexto em que aparece o político. "Não podemos esperar nada natural de nenhum político", diz Fox. "Todos e cada um dos detalhes com relação à atração dos candidatos ou de um presidente são medidos constantemente."
Thompson concorda em que é impossível determinar até que ponto os cidadãos percebem se o comportamento de um casal como os Obama é pensado, medido e ensaiado, mas seu segredo, segundo o especialista, é que, façam eles o que fizerem, o público tem a sensação de que é genuíno.
Os valores que valorizam como conduta social de um casal são diferentes conforme o país. Xesca Vidal observa diferenças essenciais. "Nos EUA predomina a lealdade e na Espanha, a fidelidade", diz. E explica: "A primeira-dama americana deve ser leal a seu marido, a sua família e a seu país. Na Espanha, a mulher de um primeiro-ministro, mais que primeira-dama, é considerada simplesmente a 'mulher de'." Vidal explica como a mulher americana está acostumada desde o século 19 a ocupar um espaço na esfera pública. No entanto, na Espanha do século 21 "ainda se debate a necessidade de arbitrar medidas como listas paritárias para promover a visualização da mulher na política".
As mulheres dos presidentes dos EUA, às vezes, antes de chegar à casa Branca ou antes de que eles começassem suas corridas eleitorais, haviam tido uma vida profissional mais brilhante que a de seus maridos. Veja-se a biografia de Michelle Obama ou a de Hillary Clinton. "Na Espanha, isso pareceria um insulto ao marido", diz a psicóloga.
Obama chegou ao poder com uma arma poderosa, como já demonstrou na campanha eleitoral de 2008: sua mulher, Michelle. Sem ela, é só o presidente. Com ela é marido e pai de família. Na Espanha, Aznar soube utilizar melhor que ninguém o marketing político "made in USA", afirma Xesca Vidal: "E teve grandes resultados. Um, vencer Felipe González no primeiro cara-a-cara na televisão. Outro, vigente na atualidade: Ana Botella".

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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