domingo, 27 de janeiro de 2013

Ao menos 2.400 presos espanhóis cumprem pena em prisões estrangeiras; repatriações demoram quase dois anos
Esther Trejedor - El Pais                      
Com cerca de 20 anos, Raquel Marinero Hérculos já esteve muito perto do inferno. Em 4 de setembro de 2011 estava grávida de três meses e meio. No aeroporto de Juan Santamaria de San José (Costa Rica), onde fez uma escala ao voltar do Panamá à Espanha, começou a sofrer de vômitos fortes. Além de uma filha em suas entranhas, Raquel levava no ventre 55 bolas com quase um quilo de cocaína. Sentiu medo pela vida de seu bebê e se entregou à polícia. Confessou. Foi condenada a mais de cinco anos de prisão. Depois de quatro meses atrás das grades, em 19 de janeiro de 2012, deu à luz Mia, que nasceu prematura. Hoje sua família luta com unhas e dentes para que ambas voltem para casa.
Os traficantes prometeram 8 mil euros para Raquel e disseram que, como ela estava grávida, não teria que passar pelo raio-X da alfândega, segundo conta sua mãe, Cristina, que vive em Cartagena (Múrcia). "Raquel saiu de casa com 18 anos. Trabalhava de cabeleireira em Madri e conheceu uns amigos dominicanos que a meteram nessa merda." A jovem contou em abril do ano passado ao "Diario Extra da Costa Rica" que começou a traficar quando ficou grávida, com 19 anos.
"Colocava no corpo quatro quilos de cocaína e viajava. Chegava a um hotel e os traficantes já tinham a droga preparada. Ao colocá-la no corpo com uma cinta, não parecia que levava a droga. Ela chegou a transportar, segundo confessou, mais de 100 mil euros. "O dinheiro que vem fácil, vai fácil". Depois que a prenderam na Costa Rica, passou 17 dias hospitalizada. Não podia comer nada porque tinha que expulsar a droga.
Além de Raquel Marinero, outros 2.453 presos espanhóis cumprem pena em prisões estrangeiras, segundo dados atualizados do Ministério de Assuntos Exteriores. Ao menos 83% estão presos por delitos de consumo ou tráfico de drogas. Pouco mais da metade permanece em prisões latino-americanas; 33% em países europeus e 8% na África. Os 4% restantes se divide entre América do Norte e Ásia, onde estão algumas das prisões mais perigosas do mundo.
"A cônsul me disse para não me queixar porque milha filha poderia ter caído na Colômbia ou no Peru", diz Cristina. "Raquel tem sorte, dentro do que existe, porque está só com mulheres, muitas com filhos, na prisão de Buen Pastor de San José". Os quatro meses que esteve numa prisão comum, foram horríveis. "Ficam amontoados, dormem no chão porque não há colchões e a prisão está cheia de drogas. Há muito controle para evitar passar uma lixa que seja, mas colheres e drogas entram sem problemas."
O país onde há mais presos espanhóis, com 276, é o Peru. Na Colômbia, Brasil e Itália também superam os 200. As estatísticas depois se dividem em números bem menores entre os demais países. Há uma categoria que o próprio ministério denomina "outros". É um balaio de gato onde incluem as prisões da Tailândia, Mali e Honduras, alguns dos territórios com o sistema carcerário mais inseguro do mundo.
Na Venezuela, onde 55 espanhóis cumprem pena, ONGs e familiares denunciam surras, torturas e extorsões constantes. Em 2011, morreram 560 presos e mais de mil foram feridos, segundo o observatório venezuelano de prisões. "Ali os direitos humanos são constantemente violados. Dentro da prisão, a maior lei é a dos presos. Este trato não tem nada a ver com a condenação nem o delito. Devem voltar", denuncia a advogada Cristina Ogazón.
Voltar à Espanha é a batalha mais longa, e mais cruel, para quem cumpre pena no estrangeiro. O traslado pode ser solicitado pelos espanhóis com sentença firme e que precisam cumprir pelo menos meio ano de prisão. O país onde a sentença foi proferida e a Espanha devem dar seu consentimento.
Segundo a ONG "Movimiento por la Paz", que assiste a familiares de presos, o trâmite administrativo pode durar um ano e meio. A advogada Ogazón eleva o cálculo até os 24 ou 30 meses. "Além disso, uma vez que os países dão seu visto, pode demorar mais de um ano para que eles venham. No caso de Ángel Carromero [o dirigente das Nuevas Generaciones do Partido Popular condenado em Cuba depois de um acidente de trânsito no qual morreram Oswaldo Payá e Harold Cepedo, e a quem as Instituições Penitenciárias concederam na semana passada o terceiro grau], sua transferência à Espanha levou 15 dias desde que os países entraram em acordo. Nem sequer é o tempo médio que costuma demorar o processo. "O governo trabalhou de forma efetiva e extremamente rápida, mas se esqueceu do resto dos presos".
Através de seus consulados, a Espanha concede uma ajuda econômica para os casos "de necessidade". São cerca de 120 euros ao mês. A maioria das famílias envia uma quantidade complementar. "O Consulado na Costa Rica dá 20 euros para minha filha", diz Cristina. "Dessa quantidade, descontam, por exemplo, os selos que ela envia em cada carta. Tentei mandar 100 ou 150 euros por mês. Estou desempregada e não consigo mandar mais". Uma vez por mês ela manda também pacotes com comida, fraldas e papinhas para a menina. "Faço isso através de pessoas que conheci quando viajei para a Costa Rica".
Ogazón, entretanto, defende a tarefa dos consulados de países onde há presos espanhóis. "O trabalho que o consulado faz na Venezuela é louvável. Visita regularmente os presos. Com as condições que há nessas prisões, ninguém garante que eles saiam sem problemas. Para dar um exemplo, o cadeado de muitas celas está nas mãos de presos, e não dos guardas."
O dinheiro que os presos recebem é muitas vezes a causa das extorsões que sofrem. "Na Costa Rica, pensam que como você é espanhol, tem dinheiro", diz Cristina. E na Venezuela, "se os espanhóis querem continuar vivos, devem pagar a causa [uma espécie de imposto revolucionário]", denuncia a advogada Ogazón. Pagar por um colchão para dormir, pagar pelos remédios, pagar pela comida, pagar para continuar vivo. Pagar. Pagar por tudo.
A história dos presos é também a história de suas famílias. A angústia a milhares de quilômetros, o medo e o dia a dia esperando receber uma carta, um telefonema que confirme que continuam vivos e que, talvez, o regresso esteja próximo. "A semana gira em torno da sexta-feira, quando falamos por dois minutos por telefone". Cristina gagueja sua angústia e fala apressadamente: "minha filha Raquel precisa de tratamento psicológico e lá não pode ter isso. Na prisão, na embaixada... Raquel é para todos um peso morto que caiu em cima deles. Minha neta Mia completou um ano este sábado. Eu poderia trazê-la, claro que sim; mas a criança é a salvação da minha filha".
Cristina Hércules conclui com a súplica mais comum na boca dos familiares dos presos que estão no estrangeiro: "Eu nunca pedi que libertem Raquel. Quero que ela cumpra a pena na Espanha e eu possa ver minha neta crescer. Só isso. A justiça é igual para todos?."
Tradutor: Eloise De Vylder

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