quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Procurador de Nova York odeia dizer 'inocente' em casos polêmicos
Michael Powell - NYT                      
Magro, cabelo bem curto salpicado pelos fios grisalho da meia-idade, William Lopez caminha pela Jay Street vestido com jaqueta e calça cáqui e uma camisa branca desabotoada até o meio do peito. As sombras da tarde se transformaram em azul cobalto e o termômetro exibe míseros 7° Celsius. Lopez acena com um lenço. Ele inspira grandes golfadas de ar e o vapor de sua respiração rodeia o seu rosto. Ele olha em volta, com medo de que seu passeio possa acabar.
A descrença é compreensível. Lopez, de 54 anos, passou os últimos 23 anos na prisão, pagando por um assassinato que um juiz federal agora diz que ele nunca cometeu.
"É ótimo", diz Lopez "estar de volta à Terra".
A permanência de Lopez em terra firme dependerá de Charles J. Hynes, promotor público do Brooklyn, que precisa decidir se vai ou não entrar com um recurso para esse caso capenga ocorrido duas décadas atrás. Hynes diz que certamente irá recorrer. Questionado sobre a decisão do tribunal federal que denunciou seu gabinete, Hynes dá de ombros. "Isso são só críticas feitas a posteriori", diz ele. "O processo teve sérios problemas, assim como muitos julgamentos têm".
Hynes tem um longo e, em geral, honroso histórico. Ele foi pioneiro na criação de programas para jovens acusados de delitos relacionados a drogas, liberando-os da prisão. Dawn Ryan, advogada sênior da área de assistência jurídica, observa que a ênfase de Hynes ao tratamento dos criminosos e à sensibilização da comunidade "o coloca em uma posição muito superior" em relação a outros promotores. Mas o risco ocupacional que costuma afetar funcionários públicos muito antigos é o desenvolvimento da imunidade à dúvida.
Recentemente, Hynes esteve envolvido em uma série de casos de homens que cumpriram longas sentenças de prisão por crimes que não cometeram. Com a eleição deste ano se aproximando, ele se sentou para conversar sobre esses casos.
Questionado sobre Jabbar Collins, que cumpriu 16 anos pelo assassinato de um rabino antes de um juiz libertá-lo, Hynes insistiu: "Nós acreditamos que ele cometeu o crime". O caso ruiu e foi encerrado. Jabbar Collins entrou com uma ação de US$ 150 milhões pelos 15 anos que passou na prisão.
Em relação a Ronald de Bozeman, 65, que foi solto no ano passado após cumprir um ano por acusações que o próprio Hynes reconheceu como sendo infundadas, o promotor insistiu que "foi a nossa investigação que revelou os problemas". Essa explicação exige que se ignore a demora de meses para que o gabinete de Hynes entregasse as informações ao advogado de defesa.
E também há Lopez. O juiz federal dos Estados Unidos Nicholas G. Garaufis começou a leitura de sua decisão: "O caso de William Lopez começou há 23 anos. E ele se mostrou cheio de furos desde o primeiro dia". O juiz escreveu: "Para começar, as provas da acusação eram frágeis e, desde então, elas foram reduzidas a escombros por fatos que surgiram após o julgamento".
Lopez, que era viciado em drogas pesadas, foi acusado de entrar em uma casa que reúne usuários de crack, em Brighton Beach, e atirar no estômago de um traficante com uma espingarda. Seu caso foi marcado por problemas. Testemunhas que podiam confirmar o álibi de Lopez nunca foram chamadas a depor. Não havia arma do crime nem prova pericial.
O caso contou com duas testemunhas. Uma traficante de drogas descreveu um atirador com aproximadamente 1,90 m de altura. Segundo o testemunho dessa traficante, o criminoso tinha "a pele escura, era alto, moreno, negro".
Lopez tem cerca de 1,70 m e pele bem branca. A outra testemunha era uma prostituta e usuária pesada de crack. Duas horas antes do crime, ela havia consumido de 10 a 12 frascos (pequenos tubos de plástico que acondicionam a droga comercializada nos EUA) de crack. Ela alterou seu depoimento algumas vezes e, dependendo da ocasião, disse que viu ou que ouviu o disparo.
Ao chegar à prisão de Rikers Island, ela disse a sua companheira de cela que havia inventado tudo. Ela disse que havia preparado uma armadilha para o traficante morto e que um amigo dela o matou.
O promotor só forneceu essa informação ao advogado de defesa quando o júri já havia emitido seu veredicto. Após a condenação de Lopez, o advogado dele teve que passar por uma cirurgia de coração. Por isso, outro advogado, Irving Anolik, entrou no caso. Ele disse ao juiz estadual que estava "totalmente despreparado" para lidar com a leitura da sentença. O juiz rejeitou essa objeção.
No fim do outono passado, o advogado responsável por apresentar os recursos de Lopez, Richard Levitt, localizou um ex-traficante que mora na República Dominicana. Esse homem estava na casa de crack naquela noite, testemunhou o assassinato e declarou que tinha "certeza" de que Lopez não era o assassino.
Os anos 1980 foram um período banhado de sangue. Não é de estranhar que alguns jurados possam ter decidido mandar alguns homens para a prisão baseados em fiapos de provas.
Mas a insistência Hynes em ignorar as cicatrizes constrangedoras desse caso é difícil de compreender. O juiz "não gostou do caso", disse ele, acrescentando: "Mas as provas não têm a ver com o que se gosta ou não".
Por que, eu pergunto a Hynes, recorrer em um caso tão ruim quanto esse? Lopez teve um comportamento exemplar na prisão. Há uma forte probabilidade de ele ser inocente – e uma probabilidade maior ainda de que nenhum júri vá condená-lo novamente.
Hynes dá de ombros. "Por quê? Porque devemos respeitar o Estado de Direito", diz ele. O bom senso não entra nessa história.

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