Zacharias, 15, de origem grega, estuda alemão com a professora Sandra Tauer na August Lämmle Intermediate School, em Leonberg, perto de Stuttgart, no sudoeste da Alemanha
A Alemanha está passando por um bem documentado boom de imigrantes provenientes dos países duramente atingidos pela crise do euro. Menos visíveis, no entanto, são os filhos desses imigrantes. Eles raramente têm algum conhecimento de alemão e as escolas estão tendo dificuldade para atender suas necessidades.A palavra alemã Sachertorte é um problema para Zacarias, de 15 anos. O denso bolo austríaco de chocolate pode ser gostoso, mas o jovem só consegue pronunciar seu nome se falar de forma lenta e suave.
Selbstständig, que significa trabalhador autônomo, sai um pouco mais naturalmente. "Essa palavra significa fazer negócios", diz o estudante, sentado na sala de aula de seu curso intensivo de imersão na língua alemã. Durante anos, a família de Zacarias vendeu churrasquinho grego em Tessalônica, a segunda maior cidade da Grécia – até que a crise do euro estourou e seu pai teve que vender o negócio.
Foi dessa forma que Zacarias acabou indo parar, ao lado de outros 26 estudantes, no "curso preparatório internacional" da August Lämmle Intermediate School, em Leonberg, perto de Stuttgart, no sudoeste da Alemanha. A maioria dos alunos, com idade entre 11 e 16 anos, vem de países afetados pela crise do euro – e esse contingente cresce a cada semana.
"Nós conseguimos sentir o grau dos problemas e da debilidade econômica dos países aqui, pelo número de alunos presente nesta classe", diz o diretor da escola, Philipp Steinle. Quanto mais alunos de um mesmo país, pior é a situação desse país.
O crescente número de estudantes do sul da Europa e do Leste europeu nas escolas de ensino básico e fundamental da Alemanha é uma tendência visível em todo o país, e está fazendo com que o sistema de ensino alemão enfrente dificuldades para atender às necessidades dos alunos.
O Departamento Federal de Estatística da Alemanha não contabiliza separadamente crianças ou jovens quando mensura os dados relacionados à imigração, mas os números gerais são bastante claros: nos primeiros seis meses de 2012, houve um forte aumento na quantidade de imigrantes provenientes de países que estão imersos na crise do euro em comparação com o mesmo período de 2011 – o total de espanhóis cresceu 53% e o de gregos, 78%.
E, ao lado de acadêmicos, estudantes e trabalhadores altamente qualificados encontram-se muitas famílias da classe trabalhadora com filhos, que migraram na esperança de encontrar um emprego no mercado de trabalho alemão.
Escassez de professores de alemão
As escolas alemãs encontram-se diante de um desafio imenso, pois quase todos os alunos imigrantes recém-chegados têm conhecimento zero da língua alemã. Alguns deles conseguem alcançar um bom nível de proficiência rapidamente e passam a integrar cursos regulares em poucas semanas – mas, para os outros, o processo de aprendizado pode demorar meses.
O ritmo acelerado com que o número de alunos estrangeiros vem crescendo semana a semana só faz piorar o problema, de acordo com vários diretores de escolas espalhadas por todo o país. Muitos dizem que não têm pessoal suficiente para ensinar alemão como segunda língua a esses alunos imigrantes nem orçamento para contratar novos professores freelancers.
Zacarias e seus colegas de classe em Leonberg têm sorte. A programação deles inclui 25 horas semanais de instrução especializada em língua alemã – uma carga horária que muitas outras escolas apenas sonham em alcançar.
"Sem os funcionários adicionais e os voluntários que temos aqui também não conseguiríamos", diz Steinle, diretor da escola. A professora de Zacarias, Sandra Tauer, foi contratada temporariamente pela August Lämmle School para dar conta do fluxo de estudantes imigrantes. Ela atua na organização sem fins lucrativos Teach First Deutschland (Ensinando Primeiro a Alemanha), que apoia escolas para alunos com baixo desempenho escolar e que exigem muito acompanhamento pedagógico em cinco estados alemães.
O pai de Zacarias, acabou encontrando trabalho no serviço municipal de remoção de neve e já está na Alemanha há um ano. Zacarias diz que a Grécia parece um país distante agora, apesar de sua presença quase constante nas manchetes dos jornais. Pergunte a ele sobre as políticas de austeridade da chanceler alemã Angela Merkel e ele responderá com fúria.
"Os gregos odeiam os alemães, Merkel é muito dura", Zacarias deixa escapar. "A Grécia vai acabar em breve; o país foi salvo para morrer". Ele consegue visualizar seu futuro, mesmo estando distante de sua terra natal. Ele quer ir para a universidade na Alemanha e depois, para os Estados Unidos. Mas, primeiro, diz ele, é preciso terminar o ensino fundamental.
Da mesma maneira que a família de Zacarias, muitos imigrantes de países atingidos pela crise do euro acabam indo para os estados de Baden-Württemberg e da Baviera, no sul da Alemanha, que são potências econômicas do país. Neste último, os chamados "cursos de transição", onde os alunos sem conhecimento prévio de alemão são preparados para as aulas regulares, têm registrado lotação máxima desde o ano passado. O Ministério da Educação do estado da Baviera informou que, no ano passado, havia 845 alunos matriculados nesses cursos – contra apenas 470 em 2010. As escolas de outros estados alemães têm registrado um crescimento especialmente acelerado no número de estudantes da originários Bulgária e da Romênia.
"Se eu tenho um futuro, esse futuro está na Alemanha"
Outro ponto digno de nota em meio à tendência da imigração nas escolas alemãs é o número de alunos provenientes de países nos quais suas famílias já eram imigrantes.
"Este é um fenômeno totalmente novo, provocado pela crise do euro", diz Michaela Menichetti, comissária da integração do distrito escolar de Reutlingen, também localizado nos arredores de Stuttgart. Para muitos estudantes, a chegada à Alemanha representa a segunda vez que eles começam a vida do zero. "Temos alunos turcos que estão vindo para a Alemanha depois de passarem pela Bulgária, além de estudantes nascidos na Rússia que vieram de Portugal e gregos provenientes da Rússia. É um enorme desafio para as escolas".
Isabel, 16 anos, é uma dessas estudantes. Ela nasceu na Alemanha, mas mudou-se com sua família de volta para a Sicília, terra de seus pais, quando tinha quatro anos de idade. "Meu pai sempre ganhou menos na Itália, é por isso que estamos de volta aqui", diz ela. Depois de sete meses em Munique, Isabel agora vive com os pais e as duas irmãs em Leonberg. "Eu estava totalmente perdida no começo", diz ela, acrescentando que agora já conseguiu se estabilizar. "Eu prefiro estar na Itália, mas se eu tenho um futuro, esse futuro está na Alemanha".
Isabel, Zacarias e seus colegas de classe sabem que a língua alemã é parte integrante desse futuro. Uma das novas palavras do vocabulário deles, aprendida em sala de aula, é Kehrwoche, um fenômeno específico da região onde eles moram, que está relacionado ao período e à frequência com que as famílias locais devem limpar os espaços comuns, como calçadas e escadas.
Os alemães que vivem em outras regiões geralmente zombam da palavra, que veem como o epítome da presunção dos alemães do sul – ponto de vista compartilhado por muitos dos estudantes imigrantes. Mehdi, iraniano de 16 anos, diz que ainda fica surpreso com o rigor da programação de limpeza vigente no sul da Alemanha. "Nós não temos nada parecido no Irã", diz ele. "Nós fazemos limpeza quando queremos".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário