O tigre e a jaula
Merval Pereira - O Globo
Dois anos após a eclosão da Primavera Árabe, o caminho para a democracia na região continua difícil e imprevisível, e está longe de estar garantido, concluiu o âncora da BBC Nik Gowing depois de uma mesa-redonda em Davos sobre o atual estágio do desenvolvimento da democracia nos países árabes afetados pelos processos revolucionários que derrubaram ditadores na Líbia, na Tunísia, no Egito, no Iêmen, países hoje governados por líderes escolhidos em eleições democráticas impensáveis anos atrás.
O progresso que a democracia vem fazendo no norte da África e no Oriente Médio é um fato, mas políticos e estudiosos colocam sempre uma necessária cautela ao falar do assunto, ressaltando que os focos terroristas no Mali e na Argélia são realidades que não podem ser negadas.
Amr Moussa, ex-secretário-geral da Liga dos Estados Árabes (2001 a 2011) e candidato derrotadonas eleições presidenciais, embora admitindo que o presidente do Egito, Mohamed Morsi, foi escolhido em eleições democráticas, ressalta que “democracia não é apenas eleição”.
Para haver uma democracia sustentável, precisamos ir além, diz ele, lembrando o papel da oposição, as demonstrações que tomam conta das ruas neste momento como sendo evidências de que os cidadãos querem mais, não estão satisfeitos com o que já conquistaram.
Para ele, não se pode sair do passado sem olhar para o futuro. A sociedade árabe está ganhando porque o povo não desiste de lutar pela dignidade humana, mas há preocupações que permanecem apesar dos avanços, como os direitos humanos das mulheres, que participaram da revolução e não estão satisfeitas com a nova Constituição, que as marginaliza.
Há também receio de que grupos terroristas islâmicos coloquem em perigo a democracia, e, nesse sentido, a reação da França no Mali, agora com o apoio do Reino Unido, é uma boa indicação de que os países ocidentais não deixarão que as instituições democráticas entrem em colapso.
Os partidos políticos que não queiram a democracia também terão que ser combatidos, como acontece agora no Egito diante da tendência autoritária do governo comandado pela Irmandade Muçulmana.
Dois anos atrás ninguém imaginaria que teríamos eleições democráticas na Líbia, no Egito, na Tunísia e no Iêmen, lembrou Ahmet Davutoglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia.
Embora admita que ainda há um longo caminho a percorrer, o ministro turco acha que o processo histórico está seguindo seu curso e que a democracia é o melhor sistema para se lutar pela dignidade humana, e é isso que o povo árabe está fazendo.
Navi Pillay, alta comissária para Direitos Humanos da ONU, está convencida de que a democracia “não falhará” porque, no Oriente Médio e no Norte da África, as populações saíram de ditaduras e não querem um retorno à situação anterior. Ela reclamou da nova Constituição do Egito, que não respeitaria as convenções internacionais.
Moussa lembrou que a oposição abandonou as negociações sobre a Constituição porque ela não reconhecia os direitos das mulheres.
O articulista do “New York Times” Thomas Friedman foi o autor da metáfora do dia, ao dizer que, na Praça Tahir, ele sentiu como se houvessem tirado um tigre da jaula: “Ele não voltará mais, e, se tentarem colocá-lo à força novamente lá dentro, ele atacará e morderá”.
No entanto, ele lembrou que os fundamentos da democracia ainda estão longe de serem alcançados nos países da Primavera Árabe: autodeterminação, direito de voto, liberdade, instituições de proteção aos direitos individuais, Judiciário independente, liberdade de imprensa e livre-comércio.
“Temos até agora a autodeterminação, que seria o hardware da democracia. Precisamos do software, que são as liberdades garantidas por instituições.” Friedman disse que uma verdadeira democracia só existirá quando for testada por uma imprensa livre e uma oposição forte. “Não temos isso ainda no Egito”, afirmou.
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