Lourdes Sola * - OESP
Poucos
tópicos em economia são mais suscetíveis de distorções e de autoengano do que a
questão do crescimento. Só é superado pelo da inflação, como sabemos bem. Também
é certo que poucos desafios econômicos têm tanta rentabilidade eleitoral quando
enfrentados com competência. Para o analista político têm a virtude de
escancarar a quintessência da economia política. Pois "o que faz da economia
política economia política é a política", destaca Andrew Hurrell, um dos
teóricos de relações internacionais de maior destaque. O problema torna-se grave
em conjunturas nas quais as duas questões andam juntas, como neste início de
2013. Pode tomar contornos agudos quando a solução é postergada, pois a hora da
verdade contém o risco de uma reversão abrupta das expectativas de bem-estar e
mobilidade social ascendente das classes C e D, um dos ativos eleitorais do
governo. Também porque aumentam o teor de desconfiança do setor privado em
relação aos fundamentos da economia. Além de diminuir sua disposição para
investir, ampliando a oferta e reduzindo as pressões inflacionárias, promove uma
seleção negativa, em benefício daqueles cujo animal spirit desperta apenas
quando protegidos pelo Estado dos ventos da competição.
O problema é que o "pibinho" e a taxa de mais de 6% de inflação são fatos e os fatos são subversivos. Obrigam a uma correção de rumos, não só em termos de agenda econômica, mas de discurso político, do governo e também de seus críticos. Pois é necessário iniciar dois movimentos: uma reflexão profunda sobre os limites do "modelo" de crescimento vigente até aqui e novos padrões de comunicação que tornem acessíveis à população os porquês de seu eventual esgotamento. Com isso estaremos em maior sintonia com os avanços observados no cenário internacional, no qual o tema dos limites estruturais do crescimento ganha força. É pelo debate desse tema que se estabelece a linha divisória entre conservadores e progressistas, entre pessimistas e otimistas quanto às tendências globais do capitalismo. A revista britânica The Economist de 12 a 18 de janeiro dá conta desses movimentos, de forma pluralista. Uma das lições que nos interessam é que os limites do crescimento econômico têm uma forte dimensão estrutural. Logo, é insuficiente circunscrever o debate aos erros e acertos da política econômica. Nesse registro, um outro recado, implícito: a austeridade fiscal e a disciplina monetária ajudam, mas não podem tanto diante de desajustes estruturais. No nosso caso, entre oferta (leia-se investimento, privado e público) e uma demanda superdimensionada. Impõe-se, portanto, uma revisão da agenda econômica, acompanhada por padrões de comunicação condizentes com a redistribuição de penalidades - e não só de privilégios - inerente a toda e qualquer mudança de rumos. Porque reformas necessariamente têm uma dimensão redistributiva.
O tom oficial é defensivo, embora pareça o contrário: "nada a explicar", mas "tudo a justificar". As últimas semanas ilustram bem o quanto essa polifonia é dissonante, beirando a cacofonia. Exemplo: "Meu querido, não respondo a essa pergunta" foi a resposta da presidente Dilma Rousseff à questão de um repórter sobre os preços das passagens de metrô e ônibus, referência à minimização das pressões inflacionárias via acordos com prefeitos e governadores para adiar os aumentos programados. E complementou: "Respondo, sim, a perguntas sobre a redução das tarifas de eletricidade". Esse tom de monólogo autocrático, similar ao adotado em cadeia nacional para justificar a opção do governo pelo controle artificial de preços e pelo uso intensivo das estatais sob sua tutela, dá o que pensar sobre o que há de velho e de novo na retórica e também na política oficial. Não era essa uma das maquiagens preferidas nos tempos da ditadura?
Outro exemplo: na semana em que o ministro Fernando Pimentel louvava nossos feitos no front da exportação em artigo na Folha de S.Paulo, as estatísticas oficiais revelavam o desempenho adverso da balança comercial - e expunham a olho nu a ausência de uma política comercial. A última ata do Banco Central, por sua vez, apresenta um diagnóstico bastante distinto da retórica da presidente e do ministro da Fazenda, como registra Celso Ming na edição do dia 27 deste jornal. A contabilidade criativa do Ministério da Fazenda também foi objeto de espinafração do ex-ministro Delfim Netto, o principal assessor econômico da presidente.
A questão é que essa retórica é irracional, por ociosa, mesmo levando em conta que está dominada por um cálculo político racional, de tipo eleitoral. Por quê? Porque ilustra bem os limites que a nossa democracia e a vigência de um espírito capitalista minimamente empreendedor impõem à sua eficácia. Um deles é a multiplicidade de instituições que produzem indicadores e prospecções com suficiente autonomia e competência técnica, divulgados por uma mídia razoavelmente competitiva. Há o Banco Central, o IBGE, as várias consultorias econômicas, as ONGs voltadas para o controle das atividades do governo e a literatura jornalística especializada. O segundo tipo de limite se situa na imbricação entre economia capitalista e política democrática. Em toda democracia há um hiato entre o acesso quase instantâneo da população aos indicadores relevantes e a capacidade de elaborá-la. Quando se trata de crescimento e de custo de vida, o hiato reduz-se: a população tem incentivos imediatos para buscar as razões dos indicadores adversos. Por isso a forma como esse hiato será preenchido, pelo discurso oficial e pelo das oposições, ganha relevância. Questão de demanda. Nessa área, a oferta de indicadores e de análises existe para todos os gostos. Por essas e outras, diferenças de perfil à parte, Dilma não pode ser Cristina.
O problema é que o "pibinho" e a taxa de mais de 6% de inflação são fatos e os fatos são subversivos. Obrigam a uma correção de rumos, não só em termos de agenda econômica, mas de discurso político, do governo e também de seus críticos. Pois é necessário iniciar dois movimentos: uma reflexão profunda sobre os limites do "modelo" de crescimento vigente até aqui e novos padrões de comunicação que tornem acessíveis à população os porquês de seu eventual esgotamento. Com isso estaremos em maior sintonia com os avanços observados no cenário internacional, no qual o tema dos limites estruturais do crescimento ganha força. É pelo debate desse tema que se estabelece a linha divisória entre conservadores e progressistas, entre pessimistas e otimistas quanto às tendências globais do capitalismo. A revista britânica The Economist de 12 a 18 de janeiro dá conta desses movimentos, de forma pluralista. Uma das lições que nos interessam é que os limites do crescimento econômico têm uma forte dimensão estrutural. Logo, é insuficiente circunscrever o debate aos erros e acertos da política econômica. Nesse registro, um outro recado, implícito: a austeridade fiscal e a disciplina monetária ajudam, mas não podem tanto diante de desajustes estruturais. No nosso caso, entre oferta (leia-se investimento, privado e público) e uma demanda superdimensionada. Impõe-se, portanto, uma revisão da agenda econômica, acompanhada por padrões de comunicação condizentes com a redistribuição de penalidades - e não só de privilégios - inerente a toda e qualquer mudança de rumos. Porque reformas necessariamente têm uma dimensão redistributiva.
O tom oficial é defensivo, embora pareça o contrário: "nada a explicar", mas "tudo a justificar". As últimas semanas ilustram bem o quanto essa polifonia é dissonante, beirando a cacofonia. Exemplo: "Meu querido, não respondo a essa pergunta" foi a resposta da presidente Dilma Rousseff à questão de um repórter sobre os preços das passagens de metrô e ônibus, referência à minimização das pressões inflacionárias via acordos com prefeitos e governadores para adiar os aumentos programados. E complementou: "Respondo, sim, a perguntas sobre a redução das tarifas de eletricidade". Esse tom de monólogo autocrático, similar ao adotado em cadeia nacional para justificar a opção do governo pelo controle artificial de preços e pelo uso intensivo das estatais sob sua tutela, dá o que pensar sobre o que há de velho e de novo na retórica e também na política oficial. Não era essa uma das maquiagens preferidas nos tempos da ditadura?
Outro exemplo: na semana em que o ministro Fernando Pimentel louvava nossos feitos no front da exportação em artigo na Folha de S.Paulo, as estatísticas oficiais revelavam o desempenho adverso da balança comercial - e expunham a olho nu a ausência de uma política comercial. A última ata do Banco Central, por sua vez, apresenta um diagnóstico bastante distinto da retórica da presidente e do ministro da Fazenda, como registra Celso Ming na edição do dia 27 deste jornal. A contabilidade criativa do Ministério da Fazenda também foi objeto de espinafração do ex-ministro Delfim Netto, o principal assessor econômico da presidente.
A questão é que essa retórica é irracional, por ociosa, mesmo levando em conta que está dominada por um cálculo político racional, de tipo eleitoral. Por quê? Porque ilustra bem os limites que a nossa democracia e a vigência de um espírito capitalista minimamente empreendedor impõem à sua eficácia. Um deles é a multiplicidade de instituições que produzem indicadores e prospecções com suficiente autonomia e competência técnica, divulgados por uma mídia razoavelmente competitiva. Há o Banco Central, o IBGE, as várias consultorias econômicas, as ONGs voltadas para o controle das atividades do governo e a literatura jornalística especializada. O segundo tipo de limite se situa na imbricação entre economia capitalista e política democrática. Em toda democracia há um hiato entre o acesso quase instantâneo da população aos indicadores relevantes e a capacidade de elaborá-la. Quando se trata de crescimento e de custo de vida, o hiato reduz-se: a população tem incentivos imediatos para buscar as razões dos indicadores adversos. Por isso a forma como esse hiato será preenchido, pelo discurso oficial e pelo das oposições, ganha relevância. Questão de demanda. Nessa área, a oferta de indicadores e de análises existe para todos os gostos. Por essas e outras, diferenças de perfil à parte, Dilma não pode ser Cristina.
* Lourdes
Sola é cientista política, professora aposentada da USP, ex-presidente da
Associação Internacional de Ciência Política, membro da Academia Brasileira de
Ciências e autora de 'Democracia, Mercado e Estado' (FGV, 2011), seu livro mais
recente.
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