O apartidarismo no Brasil
Gaudêncio Torquato - OESP
A pesquisa do Ibope, solicitada pelo jornal O Estado de S. Paulo, dando conta de que, ao final de 2012, 56% das pessoas não tinham nenhuma preferência partidária, é mais um atestado de aversão da sociedade ao nosso modelo político.
Não se trata, como se pode apressadamente concluir, que o desinteresse pela política tenha declinado desde 1988, quando apenas 38% alegavam desinteresse por alguma sigla.
Uma coisa é abjeção à geléia partidária, fruto de um jogo político mais embaciado, outra é a expansão da cidadania ativa, que se manifesta no engajamento de cidadão no processo político.
Não há contradição entre as hipóteses. O distanciamento entre a esfera social e a constelação partidária é, de certa forma, consequência do ativismo de núcleos que se organizam em defesa de interesses.
Igualdade de gêneros, demandas de categorias profissionais, regulamentação de direitos de setores no escopo da Constituição de 88 e, nos últimos tempos, aceso debate sobre temas controversos e de impacto – aborto, eutanásia, experiências com células tronco embrionárias, união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização das drogas -, têm contribuído para adensar o engajamento político da sociedade.
Ou seja, o discurso social se eleva na esteira de maior participação política de grupos (cidadania ativa), enquanto a vida partidária se “uniformiza no cinzento”, para usar a imagem do sociólogo Roger-Gérard Schwartzenberg.
Esse é o vácuo que o corpo político teima em não enxergar. Vemos, de um lado, o pulsar da vida social, energias criadoras em busca de avanços na modelagem do bem estar comunitário, ao lado de uma engrenagem partidária que não acompanha os desafios da modernidade.
É fato que a debilidade de partidos, aqui e alhures, é consequência de fenômenos que, ao longo das últimas três décadas, abalam os sistemas políticos, entre os quais, o declínio das ideologias, o desinteresse de eleitores, a perda de poder dos Parlamentos e o enfraquecimento das oposições.
Todas essas situações decorrem do arrefecimento de antagonismos de classes, característica da era da expansão econômica. Há, pois, um imenso arco de vetores a explicar a fragilidade dos atores partidários no cenário mundial.
Se a pasteurização das siglas – todas assemelhadas – ganha mais densidade entre nós, é porque não têm elas sabido canalizar as aspirações sociais e promover a mudança em práticas e costumes.
Mas o que podemos ver, ao longo de nossa história, são partidos com fortes definições doutrinárias. Recorde-se a UDN, nascida em 1945, congregando a alta burguesia e a classe média urbana, identificada com as elites econômicas, apego ao moralismo, defesa do capital estrangeiro e da iniciativa privada.
Rivalizando com ela, o velho PSD, cuja identificação com os grandes proprietários rurais lhe conferia feição ultraconservadora e trincheira getulista.
Ou mesmo o PTB, fundado sob a inspiração do Partido Trabalhista inglês, reunindo operários fabris e lideranças sindicais, sob o controle de Getulio Vargas.
Todos eram facilmente perceptíveis. Ou, para voltar mais ao passado, em 1922, tínhamos o Partido Comunista Brasileiro, liderado por Luiz Carlos Prestes e vinculado à IIIª Internacional Comunista, com sede em Moscou.
Em 1932, via-se a Ação Integralista Brasileira, sob a inspiração do movimento fascista italiano e da falange espanhola, comandada por Plínio Salgado.
Ambos tinham como meta a deposição do regime getulista. Proibidos os partidos durante o Estado Novo (1937-1945), voltaram à vida institucional em 1945, quando a esfera política passou a conviver com a polarização entre a UDN (antigetulista) e o PSD e PTB (getulistas).
Os mais velhos se lembram dos tempos heróicos do MDB, criado em 1966, que ganhou prestígio e admiração ao se firmar como legenda de oposição à ditadura militar. O partido colecionou grandes derrotas até 1974, quando lhe coube ocupar quase três quartos das vagas em disputa para o Senado e duplicar sua bancada na Câmara dos Deputados.
Ganhando um P a mais em 1980, o partido foi melhorando a performance até se transformar no ancoradouro das aspirações sociais. No governo Sarney, em novembro de 1986, atingiu o climax de sua história política, elegendo 22 governadores, sendo derrotado apenas em Sergipe.
O que aconteceu com este partido, que ainda é o maior partido brasileiro?
E com o PT, fundado em 1980, sob a inspiração da mudança política, e canalizando expectativas das massas marginalizadas?
A pesquisa Ibope mostra que ele é ainda o partido mais popular no país, com 24% da preferência dos eleitores, sendo, por outro lado, o que mais perdeu prestígio, eis que, em março de 2010, tinha a preferência de 33% dos entrevistados.
O que explica o descolamento de simpatizantes das siglas que os abrigavam?
A par do declínio dos mecanismos clássicos da política e da expansão econômica, que desmobilizam as massas, o que se observa na nossa radiografia partidária é a pulverização de siglas.
Como mosaicos na parede, fica dificil distinguir caracteristicas e diferenças, mesmo em partidos estruturados de maneira vertical, como o PT, que organizam discursos, realizam congressos, obedecem à hierarquia e e dão obrigações à militância.
Dá para acreditar numa aliança pela moralidade entre PSOL e DEM, o primeiro idetificado com um ponto, à esquerda, e o segundo com um contraponto, à direita? Pois essa parceria foi feita na última eleição para a prefeitura de Macapá.
E a imagem de vestal, que até pouco tempo o PT usava para se mostrar diferente no espectro partidário? Todos os grandes e médios partidos foram chamuscados por fogueiras formadas pela lenha de escândalos, malversações e desvios de conduta.
Ademais, as demandas sociais batem cada vez mais na porta dos Executivos e de seus tecnocratas. A representação política já não tem a força de outrora para realizar compromissos com parcelas da sociedade. A tosca feição partidária tolhe o ânimo social. O que explica a tendência de expansão do apartidarismo no país.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
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