O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff tinha mais de um motivo legítimo para demitir o
ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Passar a mão na cabeça do
boliviano Evo Morales não podia ser um deles. O chanceler figurava em todas as
listas de demissíveis na reforma ministerial planejada para ajustar o Planalto
aos imperativos da sucessão de 2014. A sua inclusão no Gabinete foi um "erro de
pessoa". Nomeado por sugestão do titular do Itamaraty no governo Lula, Celso
Amorim, Patriota não combinava com Dilma nem no estilo nem na substância.
Demasiado cerebral para o temperamento da chefe, o ex-embaixador em Washington a decepcionava por não fazer e a irritava quando fazia. Embora o seu desinteresse por política externa a impeça de ter uma visão nítida dos fins e meios da ação diplomática, Dilma esperava do subordinado iniciativas vigorosas. Mas, quando ele mostrou firmeza ao se opor à incorporação da Venezuela ao Mercosul, enquanto o Paraguai, contrário ao ingresso, estava suspenso do bloco, Dilma mandou a Advocacia-Geral da União fazer um parecer favorável à jogada, e deixou o chanceler falando sozinho.
Outro episódio que contribuiu para manter Patriota na geladeira foi o envolvimento do Itamaraty no preparo de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, de que o Brasil participava à época como membro transitório, condenando com dureza as violências do regime de Bashar al-Assad na guerra civil síria. Dilma ordenou que o Brasil se distanciasse da articulação. Diante do retrospecto, poderia parecer que tinha caído a proverbial gota d'água que faltava para o naufrágio do chanceler.
Trata-se, evidentemente, da decisão solitária do encarregado de negócios da embaixada em La Paz, ministro Eduardo Saboia, de trazer para o Brasil, por terra, o asilado senador boliviano Roger Pinto Molina, a quem Evo Morales se recusava a conceder salvo-conduto. Patriota, pode-se dizer, foi o penúltimo a saber da bem-sucedida ousadia. Dilma, a última. Ela ficou enfurecida com a "grave quebra de hierarquia" - pela qual quer que o responsável pague caro - e equiparou a operação concebida pelo diplomata a uma oferta secreta de Evo, no começo do ano, que ela, sensatamente, rechaçou. Ele propusera que Roger Pinto fosse levado de carro até a fronteira com o Brasil enquanto as autoridades ficariam olhando para o outro lado. Ou seja, uma fuga consentida.
Nenhum governo que se pretenda sério poderia se acumpliciar com tamanha irresponsabilidade. De mais a mais, que garantias teria o Planalto de que Evo cumpriria a sua parte no acerto? E, ainda que cumprisse, o Brasil seria responsabilizado por qualquer acidente de percurso - em sentido literal e figurado - que vitimasse o fugitivo. Daí a dizer que o ato de Saboia tenha sido um desafio à recusa anterior de Dilma vai uma distância maior do que os quase 2,2 mil quilômetros que separam La Paz de Brasília. Mas o pior não é a injustificada indignação pessoal da presidente com o diplomata, como não seria a defenestração sumária do ministro por ser ele o seu superior último.
A destituição de Patriota é condenável porque se destinou a consolar o irascível Evo Morales, compensando-o pela perda de face que o incidente lhe impôs. Merecidamente, aliás, porque se há um culpado na história toda é ele. Para se vingar do político que o acusa de ter parte com o narcotráfico, o bolivariano ignorou a tradição interamericana da concessão de salvos-condutos a nacionais asilados em missões diplomáticas estrangeiras, enquanto o Itamaraty fingia negociar com La Paz uma saída para o impasse. (Saboia diz ter e-mails de colegas que constatam o faz de conta.)
Se Dilma errou ao demitir Patriota em solidariedade a Evo, acertou em cheio na escolha do sucessor. O diplomata Luiz Alberto Figueiredo, que assumira há dois meses a chefia da missão brasileira nas Nações Unidas, tornou-se uma referência mundial por seu desempenho como secretário executivo da Conferência Rio+20, no ano passado. Ao seu talento como negociador, ao lado da capacidade de gerir um evento daquele porte, somaram-se a percepção do interesse nacional em jogo e o sólido conhecimento da questão ambiental - a sua especialidade. Merece a chancelaria.
Demasiado cerebral para o temperamento da chefe, o ex-embaixador em Washington a decepcionava por não fazer e a irritava quando fazia. Embora o seu desinteresse por política externa a impeça de ter uma visão nítida dos fins e meios da ação diplomática, Dilma esperava do subordinado iniciativas vigorosas. Mas, quando ele mostrou firmeza ao se opor à incorporação da Venezuela ao Mercosul, enquanto o Paraguai, contrário ao ingresso, estava suspenso do bloco, Dilma mandou a Advocacia-Geral da União fazer um parecer favorável à jogada, e deixou o chanceler falando sozinho.
Outro episódio que contribuiu para manter Patriota na geladeira foi o envolvimento do Itamaraty no preparo de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, de que o Brasil participava à época como membro transitório, condenando com dureza as violências do regime de Bashar al-Assad na guerra civil síria. Dilma ordenou que o Brasil se distanciasse da articulação. Diante do retrospecto, poderia parecer que tinha caído a proverbial gota d'água que faltava para o naufrágio do chanceler.
Trata-se, evidentemente, da decisão solitária do encarregado de negócios da embaixada em La Paz, ministro Eduardo Saboia, de trazer para o Brasil, por terra, o asilado senador boliviano Roger Pinto Molina, a quem Evo Morales se recusava a conceder salvo-conduto. Patriota, pode-se dizer, foi o penúltimo a saber da bem-sucedida ousadia. Dilma, a última. Ela ficou enfurecida com a "grave quebra de hierarquia" - pela qual quer que o responsável pague caro - e equiparou a operação concebida pelo diplomata a uma oferta secreta de Evo, no começo do ano, que ela, sensatamente, rechaçou. Ele propusera que Roger Pinto fosse levado de carro até a fronteira com o Brasil enquanto as autoridades ficariam olhando para o outro lado. Ou seja, uma fuga consentida.
Nenhum governo que se pretenda sério poderia se acumpliciar com tamanha irresponsabilidade. De mais a mais, que garantias teria o Planalto de que Evo cumpriria a sua parte no acerto? E, ainda que cumprisse, o Brasil seria responsabilizado por qualquer acidente de percurso - em sentido literal e figurado - que vitimasse o fugitivo. Daí a dizer que o ato de Saboia tenha sido um desafio à recusa anterior de Dilma vai uma distância maior do que os quase 2,2 mil quilômetros que separam La Paz de Brasília. Mas o pior não é a injustificada indignação pessoal da presidente com o diplomata, como não seria a defenestração sumária do ministro por ser ele o seu superior último.
A destituição de Patriota é condenável porque se destinou a consolar o irascível Evo Morales, compensando-o pela perda de face que o incidente lhe impôs. Merecidamente, aliás, porque se há um culpado na história toda é ele. Para se vingar do político que o acusa de ter parte com o narcotráfico, o bolivariano ignorou a tradição interamericana da concessão de salvos-condutos a nacionais asilados em missões diplomáticas estrangeiras, enquanto o Itamaraty fingia negociar com La Paz uma saída para o impasse. (Saboia diz ter e-mails de colegas que constatam o faz de conta.)
Se Dilma errou ao demitir Patriota em solidariedade a Evo, acertou em cheio na escolha do sucessor. O diplomata Luiz Alberto Figueiredo, que assumira há dois meses a chefia da missão brasileira nas Nações Unidas, tornou-se uma referência mundial por seu desempenho como secretário executivo da Conferência Rio+20, no ano passado. Ao seu talento como negociador, ao lado da capacidade de gerir um evento daquele porte, somaram-se a percepção do interesse nacional em jogo e o sólido conhecimento da questão ambiental - a sua especialidade. Merece a chancelaria.
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