sábado, 28 de setembro de 2013

China é tomada por onda de represas
Gilles Paris - Le Monde
Divulgação
A grande muralha cinza corta sem dó o vale escavado pelo rio Jinsha, entre as províncias de Sichuan e de Yunnan. Passando a barragem instalada nesse afluente do rio Yangtze, as águas amareladas que escorrem do canal roçam com ondas nervosas as margens da cidade de Xiangjiaba situada abaixo do canteiro da terceira maior hidrelétrica da China em termos de potência. Uma cidade sem graça, com suas chaminés e suas usinas integradas ao tecido urbano, que a muralha de aproximadamente 200 metros de altura tirou do anonimato.
Quando a obra, que já mobilizou 14 bilhões de metros cúbicos de concreto, for concluída em 2014, incluindo um impressionante elevador de barcos, ela permitirá o acionamento de oito turbinas gigantes de 800 MW, as maiores do mundo.
Xiangjiaba não chega perto do parque de 32 turbinas da gigantesca represa de Três Gargantas e seu potencial de 22 mil MW. Mas ele confirma a mania chinesa pelos equipamentos hidrelétricos, inclusive gigantes, independentemente do custo ao meio ambiente (perturbações climáticas e deslizamentos de terra) e para as populações expulsas pelas obras. Assim, oficialmente o canteiro de Xiangjiaba levou ao deslocamento de mais de 100 mil pessoas.
Neste sábado (28), uma nova licitação para as 16 turbinas de 1.000 MW deve ser lançada, sem que se saiba para qual represa, uma potência jamais atingida até hoje.
Após a publicação do 12º plano quinquenal chinês (2011-2015), o Conselho de Estado chinês estabeleceu a direção de uma política energética que atribui um objetivo ambicioso para o setor hidrelétrico. A especialista em energias, Sylvie Cornot-Gandolphe, retoma isso em uma nota do Instituto Francês das Relações Internacionais, publicada em abril. É principalmente no setor hidrelétrico que está o desafio de atingir o patamar de 15% de energia renovável no consumo primário do país, principalmente para combater a poluição das usinas de carvão que intoxicam as metrópoles chinesas, muito à frente da energia solar, eólica ou nuclear.

Verdade catedral

Dobrar a potência hidroelétrica (380 mil MW no lugar dos atuais 190 mil), já é produzir 10% de energia renovável. Em teoria, ao final desse esforço particularmente voluntarista, 71% do potencial hidrelétrico chinês será explorado segundo a International Hydropower Association (IHA) em seu relatório prospectivo anual publicado em abril.
A montante no rio Jinsha, já estão subindo uma outra muralha para a represa de Xiangjiaba, trancando um pouco mais um curso de água outrora selvagem e hoje "perdido", cuja memória as fotografias nostálgicas de Luo Lianjie tentam preservar.
Com uma produção de energia anual entre 90 e 95 milhões de MWh (megawatts-hora), a usina hidrelétrica de Itaipu é a maior do Brasil. O UOL Economia foi até Foz do Iguaçu (PR) conferir como é produzida a eletricidade na gigante binacional. Veja a seguir Leia mais Caio Coronel/Divulgação
Todo ano, os chineses instalam 15 GW em energia hidrelétrica", acredita Yves Rannou, diretor da filial para a China do grupo francês Alstom. Um número confirmado pela IHA para o ano de 2012 e que deve ser comparado com a das instalações novas em outras regiões do mundo nesse mesmo ano, com exceção da Ásia: 1,9 GW para a América do Norte, 1,8 para a América do Sul, 0,5 para a Europa e 0,3 para a África. É possível também aproximar os 15 GW chineses dos 25 GW de potência instalada de todas as barragens francesas para ter uma ideia de sua dimensão.
Um túnel perfurado no rochedo sobre o flanco direito da represa de Xiangjiaba, a jusante, avança terra adentro. Ele comanda o acesso a uma verdadeira catedral que ecoa um ronronar surdo. Sem esperar a colocação da última pedra, as águas do rio Jinsha já acionam quatro turbinas Alstom e seus alternadores. Elas foram encaminhadas por via fluvial até um cais de Xiangjiaba, perto da represa, onde está atracado um navio que foi descarregar sua carga de carvão.
Esses quatro monstros de mais de 2.000 toneladas foram colocados no lugar por elevadores proporcionais à sua extravagância e que repousam sobre seus trilhos na entrada dessa galeria subterrânea.
A empresa francesa inaugurou, no dia 17 de setembro, com grande pompa, uma nova usina dedicada à hidroeletricidade no território da municipalidade autônoma de Tianjin (nordeste), em uma zona industrial onde a Airbus também dispõe de uma grande linha de montagem. Ela tenta assim se colocar mais perto desse mercado mirabolante. No local, Patrick Kron, o presidente da companhia francesa (que convidou para essa ocasião alguns jornalistas, inclusive do "Le Monde"), calcula em 50% a participação chinesa nas futuras instalações hidrelétricas do mundo, e em 85% a de todo o Sudeste Asiático até 2035, e exaltou essa energia "limpa, renovável e particularmente armazenável."

"É preciso ser mais rígido"

Ainda que a participação da energia hidrelétrica continue sendo modesta nos resultados da Alstom (10%), esse eldorado justifica o investimento de 100 milhões de euros que a empresa efetuou na China, apesar de um contexto geral de redução de custos. "É preciso ser mais rígido. É possível conseguir isso, inclusive na China, sem ter uma estratégia de recuo", garantiu Kron.
A empresa francesa não é a única interessada na parte das turbinas e alternadores das futuras instalações. Suas concorrentes austríaca Andritz e alemã Voith estão de olho em contratos. A Voith, que tem observado discrição e pudor nessa questão, tem uma rede integrada comparável à empresa francesa. O grupo alemão também pode enfatizar a usina que tem em Xangai. Construída inicialmente com a Siemens e a Shanghai Electric Corporation, essa usina tem agora 80% controlados pelo grupo alemão que nunca deixa de lembrar que equipou toda a primeira instalação hidrelétrica do país, Shi Long Ba, em 1910.
Mas as companhias estrangeiras de energia não têm carta branca no local. Prova disso é que as quatro outras turbinas instaladas na barragem de Xiangjiaba são de fabricação chinesa. Dois poderosos grupos, Harbin Electric e Dongfang Electric, que reivindicam 40% da fatia de mercado chinesa, contra 20% da Alstom, agora mantêm sua posição, depois de terem avançado muito no contato das empresas estrangeiras. Convidado a comparar as vantagens e os pontos fracos de seus fornecedores chineses e franceses, Nie Yunlong, diretor da Companhia de Três Gargantas que administra a represa de Xiangjiaba, sorri educadamente antes de falar dos preços "um pouco mais elevados" dos produtos da Alstom.
A preocupação com a qualidade, apresentada tanto pela empresa francesa quanto pela Voith, pode permitir manter uma pequena margem estratégica de vantagem em relação à Harbin e à Dongfang na busca do gigantismo ilustrada pelas turbinas cada vez mais poderosas. Mas com uma indústria pesada chinesa operando atualmente além da demanda, ainda mais com um crescimento em desaceleração, como avalia um bom conhecedor das realidades econômicas de Pequim que prefere manter o anonimato, as futuras disputas podem ser particularmente acirradas.
Tradutor: UOL


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