domingo, 29 de setembro de 2013

Para eleitores, Merkel é 'professora da Europa ' que mantém o tumulto fora da classe
M. Á. Bastenier - El Pais
Fabrizio Bensch/Reuters
Chanceler alemã, Angela Merkel, eleita para um terceiro mandato nas eleições gerais, sorri durante encontro de seu partido União Democrática Cristã, em Berlim
Chanceler alemã, Angela Merkel, eleita para um terceiro mandato nas eleições gerais, sorri durante encontro de seu partido União Democrática Cristã, em Berlim
A chanceler alemã, Angela Merkel, conseguiu um terceiro mandato, mas, apesar de sua já longa exposição no poder, é mais fácil dizer quem ela não é do que aprisioná-la em uma definição. Não é o patriarcal Konrad Adenauer, muito menos o jovial Helmut Kohl, de forma alguma o sedutor Willy Brandt, e qualquer comparação com a Dama de Ferro é gratuita; a senhora Merkel é uma mulher que se dedica à política, e não um político que por acaso é mulher.
Entretanto, sua vitória beirou o abismo. Sua gestão, sem ser antieuropeia, esmaeceu os traços mais europeístas de seu partido, a CDU, que nos tempos da República Federal repousava sobre três pés: conservadores, liberais e social-cristãos, estes últimos impregnados da doutrina social da igreja. A democracia cristã alemã é hoje, por sua vez, uma grande máquina caça-votos, que se mimetiza com aliados e concorrentes para ampliar sua atração eleitoral.
O despenhadeiro diante do qual se deteve o eleitor chama-se Alternativa para a Alemanha, partido que propõe a limpeza da zona do euro dos tagarelas, mal pagadores e nada diligentes sócios do sul da Europa. Se a formação antieuropeia, dirigida pelo economista Bernd Lucke, tivesse obtido 5% dos votos, teria conseguido assentos na Câmara baixa - chegou a 4,7% - e em um sistema como o alemão, no qual contrapesos e controles são lei de vida em homenagem póstuma ao período de Weimar, teria podido apresentar a demanda de inconstitucionalidade ao tribunal de Karlsruhe com a consequente paralisação da legislação comunitária.
Merkel, que fagocita tudo o que dela se aproxima, teve o cuidado nos meses precedentes de torpedear qualquer iniciativa de Bruxelas que atentasse contra a soberania nacional, como financiamento contra o desemprego juvenil, limitação na emissão de gases que teria prejudicado firmas alemãs ou qualquer progresso para a união bancária; e que o fizesse ou não de bom grado, servindo-se como desculpa da necessidade de cortar as asas do nacionalismo da Alternativa, é algo que só se poderá saber em seu novo mandato. Mas, por muitas que sejam suas hesitações, o acordo para manter o euro era inevitável, porque 40% das exportações alemãs se dirigem para a zona do euro, ao mesmo tempo que as instituições financeiras alemãs têm em seus balanços créditos cada vez maiores concedidos na Europa meridional. E o desaparecimento do euro teria comido grande parte desse saldo.
Mas qual é o atrativo que tem uma governante que muda em seu próprio campo para defender o que considera interesses do país; que não é totalmente a favor, mas tampouco contra, o que foi o destino irreversível da Alemanha?
O que no sul do continente se vê como arrogância, os partidários da chanceler podem perceber como extensão de um manto protetor que os isole do caos circundante. Angela Merkel é uma mestre-escola que tranquiliza, porque parece saber todas as respostas e mantém o tumulto fora da classe. A grande visão à Adenauer não parece, por isso mesmo, o seu negócio, senão o manual do perfeito contador.
Max Weber dizia que "o alemão não é um povo inclinado à política", mas sim a desconfiar dela. A chanceler não é continuadora dos pais fundadores da Alemanha que nasceu depois da Segunda Guerra porque lhe falte a ambição de participar do duopólio com a França, senão porque os tempos daquela refundação são fundamentalmente diferentes dos atuais, que Merkel interpreta como de inevitável entrincheiramento.
Mas, seja ou não seu estilo, a chanceler enfrenta o desafio de eliminar nos próximos anos o último freio à política externa alemã, aquele que a impede de se interessar por situações como a guerra civil na Síria, o Irã, o Oriente Médio, a Ásia Central, ou de demonstrar a indignação necessária porque os EUA espionam aliados, vizinhos e clientes. Essa, sim, seria uma continuação da obra da antiga Bonn.
O ex-presidente da Alemanha Richard von Weizsacker (1984-1994) falou em uma entrevista publicada em "El País" sobre a falta de "tradição como nação" de seu país, ao que provavelmente se devia que continuasse "pendente de uma política comum para a Europa oriental, tarefa que nos incumbe a nós, alemães". O dilema não é germanizar a Europa ou europeizar a Alemanha, como se disse, mas sim que quanto mais Europa houver mais Alemanha caberá nela.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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