domingo, 29 de setembro de 2013

Quase 200 anos após batalha contra Napoleão, ressentimentos persistem na Bélgica
John Tagliabue - NYT
Laurent Dubrule/Reuters
Fanáticos por História se vestem como membros do Exército Francês e participam de uma encenação de Waterloo, a famosa batalha de Napoleão, em Braine-l'Alleud, na Bélgica
Fanáticos por História se vestem como membros do Exército Francês e participam de uma encenação de Waterloo, a famosa batalha de Napoleão, em Braine-l'Alleud, na Bélgica
A região em torno desta cidade belga está agitada se preparando para comemorar o 200º aniversário, em 2015, de uma das maiores batalhas da história militar europeia. Mas o processo dos preparativos está se mostrando quase tão complicado quanto era atravessar o campo de batalha naquela época, quando o duque de Wellington, comandante de uma aliança internacional de forças, esmagou Napoleão.
Uma fazenda grande, porém em ruínas chamada Hougoumont, que foi crucial para o resultado da batalha, está sendo cuidadosamente restaurada para se tornar um centro educativo. Perto dali, um centro de visitantes subterrâneo está em construção, e as estradas e monumentos por toda a área onde ocorreram as batalhas estão sendo reformados. Mais de 6.000 entusiastas militares devem reencenar confrontos individuais. 
Embora a batalha tenha terminado há dois séculos, no entanto, ressentimentos sobreviveram. As memórias são muitas aqui, e nem todo mundo compartilha do entusiasmo da Inglaterra em celebrar a derrota da Napoleão.
Todos os anos, em distritos da Valônia, a parte francófona da Bélgica, há festas para homenagear Napoleão, de acordo com o conde Georges Jacobs de Hagen, um distinto industrialista belga e presidente de uma comissão responsável pela restauração de Hougoumont. "Napoleão, para essas pessoas, era muito popular", diz Jacobs, 73, tomando café. "É por isso que, ainda hoje, existem alguns inimigos do projeto".
A Bélgica, é claro, não existia em 1815. Suas regiões de língua holandesa faziam parte do Reino dos Países Baixos, enquanto a parte de língua francesa havia sido incorporada ao Império Francês. Entre os falantes de francês, diz Jacobs, Napoleão tinha uma "enorme influência – a administração, o Código Napoleônico", ou a reforma do sistema jurídico. Enquanto os belgas de língua holandesa lutaram do lado de Wellington, os falantes de francês lutaram com Napoleão. 
A oposição por parte dos falantes de francês modernos se cristalizou em resistência a uma proposta britânica que, como parte da restauração de Hougoumont, pretende erguer um memorial aos soldados britânicos que morreram defendendo o estreito Portão Norte num momento crítico em 18 de junho de 1815, quando Wellington venceu a batalha. "Toda discussão na comissão esteve repleta de sentimentos fortes", Jacobs lembrou. "Eu disse: 'Esta é uma condição para a ajuda dos britânicos', o Portão do Norte venceu a batalha, e temos o monumento."
Se a Bélgica estava relutante em se envolver, a França a princípio estava totalmente desinteressada. "Eles nos disseram: 'Nós não queremos fazer parte deste triunfalismo britânico'", disse a condessa Nathalie du Parc Locmaria, escritora e editora que é presidente de um comitê que representa quatro municípios donos de terras onde a batalha se desenrolou. Mas no caso do memorial do Portão Norte, a persistência valeu a pena.
O príncipe Charles Napoleon, 62, político francês e descendente direto de Jerome Napoleon – irmão de Bonaparte, que também lutou em Waterloo – concordou em participar de uma cerimônia no dia primeiro dia dos quatro do evento, para apertar a mão do oitavo duque de Wellington, de 98 anos de idade e chefe de sua família, e do príncipe Blücher von Wahlstatt, um descendente direto do marechal que comandou as forças da Prússia na batalha. O embaixador francês na Bélgica foi convencido a se tornar membro honorário do comitê organizador.
A palavra triunfal, ou suas variações, aparecem com frequência nas discussões aqui, mas os britânicos envolvidos negam enfaticamente ter entretido qualquer pensamento triunfalista.
"De forma alguma isso será anglocêntrico ou triunfalista", disse Michael Mitchell, um consultor de aeronaves que se voluntariou como secretário da comissão organizadora. "Nós nunca falamos sobre uma celebração, mas umsim em uma comemoração", disse Mitchell, filho de pai britânico e mãe belga, descendente do coronel Hugh Mitchell, que lutou no flanco direito de Wellington. "Muitos homens corajosos morreram", disse ele. "Todos os combatentes desempenharam um papel incrivelmente impressionante."
Ao longo dos séculos, a família Wellington desenvolveu um grande interesse pelo campo de batalha. O atual duque, disse Mitchell, "de acordo com a tradição familiar, tem um olhar atento sobre os campos de batalha, não vou dizer que seja um olhar proprietário". Várias vezes, mais recentemente em 1973, o duque interveio com sucesso quando as autoridades locais planejaram construir uma autoestrada pelos campos de batalha.
Em 2000, um grupo de contribuintes belgas entrou com uma ação exigindo que o governo rescindisse um acordo que remonta ao período logo após a batalha em que o duque de Wellington recebeu os direitos de 2.600 acres ao redor do campo de batalha. As terras estavam rendendo cerca de US$ 160 mil por ano para a família de Wellington, e os contribuintes argumentavam que estava na hora de acabar com o arranjo. O caso ficou parado até 2009, quando o ministro das Finanças , Didier Reynders, disse ao Parlamento que o governo não tinha intenção de sustentar seu acordo, ancorado no Tratado de Londres de 1839 que garantia a independência da Bélgica.
Claro que, se os Wellingtons continuam a beneficiar das terras, assim também acontece com as comunidades em torno de Waterloo. Em anos movimentados, cerca de 300 mil pessoas visitam o campo de batalha, embora recentemente o número tenha caído à medida que a notícia da restauração se espalhou. Claramente, os organizadores esperam que a reforma da fazenda e o novo centro de visitantes aumente os números, talvez até a 500 mil por ano. Nas discussões, os organizadores freqüentemente mencionar Gettysburg, que atrai mais de dois milhões de pessoas por ano. 
Mas a economia é apenas uma parte do quadro. "Nossa preocupação é a experiência do visitante", disse Du Parc. "Qual é a mensagem? Qual é o legado, qual o propósito a que ele serve?" Ela comparou as guerras napoleônicas à 1ª Guerra Mundial, que foi seguida por uma guerra ainda maior apenas duas décadas mais tarde.
Jacobs concordou. "Ainda hoje, você encontra belgas de ambos os lados", disse ele, "mas graças aos britânicos esta tola experiência napoleônica chegou ao fim. Ela mudou a história da Europa". 
"Ela trouxe cem anos de paz", disse ele.
Tradutor: Eloise De Vylder

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