segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Fiscais pouco confiáveis
O Estado de S.Paulo
A forte influência política na composição dos Tribunais de Contas foi sempre o ponto fraco desses órgãos, porque levanta suspeitas sobre a isenção e a qualidade técnica das suas decisões, sem falar no comportamento nem sempre impecável de seus integrantes. Suspeitas que acabam de ser mais uma vez reforçadas, agora por dados constantes de levantamento feito pelo jornal O Globo, referentes a ações ou inquéritos penais de que é alvo um bom número de conselheiros de Tribunais de Contas estaduais de todo o País. Volta assim à discussão o velho tema da necessidade de adotar medidas para tornar mais técnicos esses órgãos.
Do total de 189 conselheiros desses tribunais, 29 (15%) ou estão naquela situação em ações que correm no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou já têm o seu currículo manchado por condenações por improbidade administrativa. As acusações que pesam sobre eles são as mais variadas e graves possíveis para quem tem a função de avaliar e julgar as contas de Estados e municípios: desvio de recursos dos próprios tribunais, recebimento de propinas para não fiscalizar contratos com o devido rigor, peculato e formação de quadrilha.
Em resumo, tudo isso é exatamente o oposto do que deve ser o comportamento de conselheiros de Tribunais de Contas. E não se pode dizer que se trata apenas das tristes e inevitáveis exceções que podem manchar qualquer colegiado - 15% de ovelhas negras são uma porcentagem suficientemente alta para comprometer ou pelo menos colocar em dúvida a reputação de todo o rebanho. A situação é agravada pelo fato de serem poucos os casos em que os tribunais promovem o afastamento cautelar dos que são alvo daquelas ações.
O levantamento mostra outro aspecto do problema, que deixa clara a leviandade com que são feitas algumas nomeações. Um exemplo disso é o caso de Humberto Melo Bosaipo, que em 2002, quando era deputado estadual em Mato Grosso, foi investigado pela Operação Arca de Noé, da Polícia Federal, por suspeita de participação em esquema de desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa. Embora o Tribunal de Justiça daquele Estado tenha aceitado denúncia criminal do Ministério Público contra Bosaipo, a Assembleia aprovou seu nome, em 2007, para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas. Com isso, Bosaipo ganhou foro privilegiado no STJ, onde é réu em 11 ações penais.
Constatou-se que, nas condenações de conselheiros por improbidade administrativa, em geral as irregularidades referem-se a atos praticados por eles antes das nomeações. Ou seja, o despudor dos responsáveis pela indicação e aprovação de seus nomes - que não têm como ignorar esses fatos - parece não ter limites.
Vem de longe a prática de preencher as vagas de conselheiros desses tribunais com apaniguados políticos dos poderosos do dia - em geral ex-parlamentares - que em muitos casos são de reputação duvidosa e de qualificação técnica mais ainda. Por isso, a Constituição de 1988 alterou a forma de compor esses órgãos, estabelecendo limites ao apadrinhamento político. A composição passou a ser mista. Dos sete membros dos Tribunais de Contas estaduais, quatro são indicados pelas Assembleias, um é de livre escolha do governador e os outros dois, embora também indicados por ele, devem vir das carreiras técnicas de auditor e procurador do Ministério Público junto ao tribunal.
Esse foi só um pequeno avanço, porque, como a maioria dos indicados - quatro da Assembleia e um do governador - ainda tem origem política, a situação pouco mudou, como se vê. Diz com razão o presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas, Diogo Ringenberg, que o componente político da maioria das nomeações é o grande problema dos Tribunais de Contas: "Há falta de independência dos conselheiros para julgar as contas de quem o nomeou". Sem falar, acrescente-se, das manchas morais em seus currículos.
Daí a proposta de sua entidade de alterar a legislação para que 80% dos conselheiros sejam escolhidos por sua competência técnica. É algo a ser considerado seriamente.

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