Anos de tormenta
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Ninguém pode considerar-se feliz enquanto estiver vivo,
ensinou o legislador ateniense Sólon ao rei Creso, da Lídia, no século
6.° antes de Cristo. É um princípio que vale para avaliar a qualidade da
administração dos mais importantes comandantes de políticas públicas.
Ben Bernanke deixa dia 31 a presidência do mais poderoso banco
central do mundo, o Federal Reserve (Fed), depois de ter comandado a
política monetária dos Estados Unidos durante a maior crise financeira
desde a Grande Depressão. Ele continua colecionando calorosas críticas e
elogios, a começar pelas avaliações negativas feitas pelo presidente
dos Estados Unidos, Barack Obama, que aparentemente não gostava dele.
Bernanke pilotou o navio no meio de tempestades avassaladoras e de
pânico nos mercados. Emitiu cerca de US$ 4 trilhões, na fronteira da
irresponsabilidade, para inchar o balanço do Fed com títulos públicos e
privados, com o objetivo de criar alguma demanda para o que passou a ser
chamado de lixo tóxico. E manteve no nível do chão, por 62 meses, os
juros básicos dos Estados Unidos (Fed funds).
Seus admiradores insistem em que o fato de ter evitado o naufrágio já
é feito heroico para consagrá-lo como grande comandante. Seus
detratores o acusam de não ter previsto o furacão, de ter contribuído
para ele com sua política monetária frouxa demais e, depois, de ter sido
arrastado por ele. Argumentam, ainda, que a atividade econômica dos
Estados Unidos continua insatisfatória, que há hoje 1,2 milhão de
desempregados além dos que existiam no início da crise e que há uma
bomba atômica pairando sobre nossas cabeças à espera de quem a desarme.
Bernanke chega ao final do mandato sem completar o serviço. Uma coisa
é ter concebido e conduzido a maior armação não convencional de
política monetária, as tais megaemissões de dólares para recompra de
títulos, também conhecida como afrouxamento quantitativo (quantitative
easing). Outra tarefa tão importante e perigosa consiste em reverter
essa política, agora a cargo da sucessora, Janet Yellen, a primeira
mulher à frente do Fed.
Trazer de volta essa dinheirama antes que provoque inflação
devastadora e sem criar pânico é o complemento da missão a cumprir, e
sem sua avaliação será impossível um juízo equilibrado sobre o conjunto
da obra.
No entanto, o mercado financeiro e a atividade bancária dos Estados
Unidos já não são mais o vale-tudo que prevaleceu antes de 2007 e que
atirou o mundo no rodamoinho. A tarefa saneadora produziu efeitos, há
mais regulação no mercado financeiro e, ainda onde não há dela o
suficiente, há pelo menos a consciência de que é preciso mais.
Mas a economia global é outra, a estrutura do fator trabalho está
mudando em toda a parte com o uso intensivo de tecnologia da informação e
já não se sabe até que ponto o nível de emprego deve comandar a
política monetária, especialmente a do Fed, como é hoje.
Os Estados Unidos começam a viver os tempos de uma revolução
energética, que, em princípio, nada tem a ver com a atuação do Fed.
Essa, sim, poderá ser a redenção da economia americana. Se isso se
confirmar, também a avaliação da administração Bernanke poderá ganhar
outra direção.
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