Um giro no parafuso
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Leis draconianas não garantem a saúde legal do ambiente.
Disso estamos cansados de saber e habituados a ver, principalmente
quando negócios privados se misturam com entes públicos.
Decretar que isso ou aquilo é proibido, é ilegal, é inconstitucional
tampouco basta para balizar comportamentos. Nem por essa razão se pode
deixar de aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e repressão à
ilegalidade ou de saudar novas ferramentas que permitam dar mais um
aperto na rosca do parafuso.
Senso crítico é essencial até para separar atos bem intencionados,
mas de pouca eficácia prática, de ações que realmente tenham o poder de
atuar no cerne da questão. Aqui falamos de corrupção.
Mais especificamente da lei (12.846) que entrou em vigor nesta
semana, cujo objetivo é investigar, processar e punir empresas
envolvidas em ilicitudes na prestação de quaisquer serviços ao Estado.
Muito bem, a corrupção já é ilegal e, no entanto, grassa. No que mais
uma legislação poderia mudar essa situação? Mudar totalmente e
principalmente do dia para a noite é algo que, de fato, não vai
acontecer. Mas, como dizia o então ministro da Fazenda Pedro Malan nos
primeiros anos do Plano Real, é tudo uma questão de "processo".
A chamada lei da Empresa Limpa (inspiração óbvia) pode ser enquadrada
nessa categoria da qual faz parte a lei da Ficha Limpa. Não obstante a
evidência de que a correção na vida pregressa fosse um atributo
indispensável a candidatos a cargos eletivos, nenhuma importância se
dava a isso.
Até o dia em que uma emenda constitucional de iniciativa popular
cruzou o caminho de um ano de eleições (2010), entidades civis se
mexeram, a oposição saiu da inércia, a situação não teve jeito, foi a
reboque e pronto: estavam plantadas as sementes.
A existência da lei não fará desaparecerem do cenário, como que por
encanto, os candidatos fichas sujas, mas sem dúvida é um fator
importante de inibição para o desfile de folhas corridas que acaba
resultando num Parlamento cheio de gente com contas em aberto na
Justiça.
Pois com todas as questões que ainda precisam ser resolvidas na nova
lei anticorrupção - conforme apontam os especialistas, em relação à
delação premiada e à ordenação da competência para instauração dos
processos - o ponto essencial é este: ela sem dúvida alguma inibirá os
corruptores e, por consequência, dificultará o campo de atuação dos
potenciais corrompidos.
A legislação não prevê prisão, mas impõe multas altas levando em
conta o faturamento bruto das empresas que podem ter suas atividades
suspensas ou que, em último caso, podem até vir a ser dissolvidas. Isso
independentemente de os donos serem os responsáveis diretos pelo
ilícito. Mal comparando, é a teoria do domínio do fato aplicada no
julgamento do processo do mensalão. Estando o negócio todo em jogo é de
se acreditar que haverá, sim, muito mais precaução por parte dos
empresários.
Quando põe no risco o empreendimento e torna o empreendedor
responsável pelos atos do conjunto, a lei busca atingir a parte que
sempre ficou fora do alcance dos grandes escândalos de corrupção, cujo
fôlego costuma se esgotar quando se chega aos corruptos. Até por serem
mais notórios.
Se um elo dessa cadeia de promiscuidade fica solto, o sistema vai se
realimentando por si. Repetindo: a lei sozinha acaba com isso? Não, mas
dá uma boa ajuda.
Muito maior e mais eficaz, por exemplo, do que se proibirem pura e
simplesmente as doações lícitas de empresas para campanhas eleitorais na
ilusão de que, assim, estará extinto o uso do caixa dois e, com ele, o
ovo da serpente da corrupção no setor público.
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