quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Em virada neoliberal, Hollande renuncia a reequilibrar Europa
Miguel Mora - El Pais
Xinhua/Maxppp/Zumapress
O presidente francês François Hollande
O presidente francês François Hollande
Paul Krugman, o prêmio Nobel de economia americano, escreveu esta semana que se trata de "um verdadeiro escândalo", "uma derrota", "uma rendição intelectual". É claro que Krugman não falava das escapadas do presidente francês, François Hollande, com uma atriz, e sim de uma traição pior: "Seu afeto pelas desacreditadas doutrinas econômicas da direita".
Segundo Krugman, ao afirmar em sua maciça entrevista coletiva de 14 de janeiro que "a oferta cria a demanda" e oferecer à patronal um "pacto de responsabilidade" pelo qual seu governo reduzirá em 30 bilhões de euros por ano a carga trabalhista das empresas e cortará 50 bilhões em gastos públicos em três anos, Hollande engrossou as fileiras dos "políticos brandos e confusos da esquerda moderada", "cúmplices dos conservadores obstinados e impiedosos".
Na França, o anúncio de Hollande foi recebido com aplausos pela patronal, encantada com o inesperado cheque-presente; com desconcerto pela dividida direita parlamentar, o que levou Hollande a presumir em particular que sua estratégia já deu os resultados desejados; e com o descontentamento dos sindicatos, que indicaram que o presidente nomeou primeiro-ministro Pierre Gattaz, o líder da patronal. A ex-ministra de Nicolas Sarkozy Valérie Pecresse deu a pauta ao afirmar: "A direita ganhou a batalha das ideias".
O escritor Christian Salmon, autor do livro "A cerimônia canibal" [tradução livre] e especialista em comunicação política na era da globalização, acredita que Hollande "tirou a máscara" e atribui a ele a "ridícula" evolução do socialismo francês. "Eram socialistas, mas desde os anos 1980 multiplicaram suas denominações: foram social-democratas, social-liberais e agora, segundo o ministro Arnaud Montebourg, são social-patriotas."
Segundo Salmon, o Partido Socialista, à maneira dos democratas-cristãos italianos radiografados por Pier Paolo Pasolini, "leva anos fazendo política à moda antiga, com suas disputas, regiões e clientes, sem entender o que significa a era da insoberania, e seus líderes se contentam com imitar François Mitterrand em uma paródia que já não é farsa, mas pura máscara".
Hollande afirma que a sua não é uma virada liberal, e sim uma "aceleração" de suas políticas anteriores, e se define como um social-democrata que se inspira "nos países do norte da Europa". Salmon acredita que "de alguma forma isso é verdade, porque Hollande sempre foi um liberal europeísta", mas acrescenta que "o presidente cometeu um saque eleitoral ao adotar o plano que lhe apresentou a patronal e pôr toda a ênfase na competitividade, na economia do gasto público e nas reformas estruturais. Isso não é socialismo patriota, e sim neoliberalismo. E também uma rendição diante da Alemanha".
Salmon, autor de "Storytelling", lembra que "Martine Aubry já disse nas primárias que todo brando esconde um lobo, e agora o lobo saiu à luz. Uma infidelidade mata a outra. Hollande diz que não é liberal porque o Estado vigia. Mas [o filósofo Michel] Foucault já disse há tempo que o que caracteriza o neoliberalismo é que se apropria do Estado".
Em todo caso, trata-se de uma surpresa apenas relativa. Em 1983 Hollande coassinou um panfleto intitulado "Para ser moderno, sejamos democráticos", no qual defendia a necessidade de pactuar com o capital. Mas alguns eleitores que votaram nele em 2012 se sentem enganados. Mathieu Lis, um cineasta diplomado pelo Instituto de Estudos Políticos, diz que esperava "algo semelhante porque desde o início Hollande excluiu de sua equipe os economistas de esquerda, e ao chegar ao poder se cercou de assessores de direita como Jean-Marc Jouyet e Emmanuel Macron".
O que Lis não perdoa em Hollande é que tenha feito "o contrário do que prometeu quando declarou guerra às finanças buscando o voto da esquerda e se opôs ao plano de Sarkozy para reduzir os custos trabalhistas e financiá-los com o imposto de valor agregado. Um ano e meio depois, aumentou o IVA, se põe nas mãos da patronal e corta mais gastos para reduzir o Estado social. Em uma palavra, a política de Sarkozy, e uma decepção para milhões de franceses e europeus que esperavam que Hollande realmente enfrentasse Berlim e Bruxelas".
Por enquanto, a virada à direita conseguiu duas coisas. Uma: depois de meses de pôr Hollande de molho, a revista "The Economist" não o considera mais "um perigo", e sim "um social-democrata moderado". E dois: a agência Moody's manteve ontem estável a classificação da dívida francesa.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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