A destruição da Argentina
O Estado de S.Paulo
Devastada de tempos em tempos por algum governo
incompetente e populista, a economia argentina mais uma vez se esboroa,
com inflação em disparada, problemas de abastecimento, produção
estagnada, reservas cambiais quase no fim e quase nenhum acesso - ou
nenhum, mesmo - ao financiamento internacional. Nem originalidade se
pode atribuir à presidente Cristina Kirchner e ao bando de ineptos ao
seu redor, pelo menos quanto aos erros. Há pouca novidade nos principais
disparates cometidos em dois mandatos consecutivos. Mais de uma vez,
nos últimos 40 anos, o governo argentino produziu o quase milagre de
esvaziar as prateleiras num país conhecido como grande produtor e
exportador de alimentos. E mais de uma vez esse país está a um passo de
um desastre cambial, embora os preços agrícolas tenham sido muito bons,
no mercado internacional, nos últimos anos.
Irresponsabilidade monetária e fiscal, ingerência nos preços,
barreiras à exportação e à importação, interferência no câmbio e
conflitos com o setor agropecuário, de longe o mais produtivo da
economia, são marcas de vários governantes argentinos. Em relação a
esses pontos, nenhuma inovação nos últimos anos. Se os Kirchners tiveram
alguma originalidade foi em outras linhas de ação.
O primeiro, Néstor, marido de Cristina, juntou-se ao presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, há uns dez anos, para criar uma estranha e
desastrosa parceria entre Argentina e Brasil - uma aliança
terceiro-mundista, naturalmente antiamericana e incompatível com
qualquer projeto sério de inserção do Mercosul no mercado global. Essa
parceria acabou favorecendo um crescente protecionismo do lado
argentino, ruim para o Brasil, para as economias menores do bloco e para
a indústria argentina, acomodada e cada vez menos competitiva.
Sucessora do marido, Cristina Kirchner manteve o padrão geral da
gestão anterior, mas aperfeiçoou o estilo, adotando a falsificação de
informações macroeconômicas, a começar pelo índice de inflação.
Conseguiu para seu país, com isso, uma distinção pouco invejada e ainda
mantida. Ao publicar os dados argentinos, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) passou a acrescentar às tabelas notas com ressalvas
sobre a credibilidade dos números.
Desmoralizado internacionalmente e pressionado pelo FMI, o governo da
presidente Cristina Kirchner comprometeu-se a mudar as estatísticas
oficiais, atrasou-se, foi censurado e anunciou um novo prazo.
Se o novo indicador for melhor, as contas do crescimento econômico
deverão ser mais confiáveis, porque o deflator aplicado aos valores será
mais realista. Mas essa mudança ainda é promessa. Por enquanto, vale o
velho roteiro.
Segundo o governo, os preços ao consumidor subiram 10,9% em 2013.
Segundo fontes independentes, a inflação deve ter superado 28%. Além de
produzir números sem credibilidade, o governo continua tentando frear a
inflação por meio de controles de preços e ameaças. A escassez é
consequência normal desse tipo de política.
Segundo o secretário de Comércio Interior, Augusto Costa, faltam
quase 50% dos produtos em alguns supermercados. O antecessor de Costa,
Guillermo Moreno, costumava impor limites de preços por meio de ameaças,
o mesmo recurso usado, com frequência, para proibir importações,
principalmente de produtos brasileiros. Moreno deixou o governo, mas a
ingerência nos preços e o protecionismo foram mantidos. Também houve
mudança no Ministério da Economia. O novo responsável, Alex Kicillof,
preserva o costume de atacar os empresários, em vez de se ocupar com as
causas da inflação.
Se empresários mal-intencionados causam a inflação, especuladores
inimigos devem ser culpados pelos problemas cambiais. A desvalorização
do peso nos últimos dias foi atribuída pelo chefe do Gabinete de
Ministros, Jorge Capitanich, a interessados em quebrar o país para
"ficar com seus recursos energéticos e naturais a preço de liquidação".
Também o governo brasileiro tem usado esse discurso: a inflação e a
crise da indústria são importadas. Se a culpa é dos outros, nada há para
corrigir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário