quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Indústria têxtil revive o "Made in USA"
Stéphane Lauer - Le Monde

Divulgação/TNTA modelo brasileira Alessandra Ambrósio desfila para a marca norte-americana de lingerie Victoria's Secret; as peças da marca são fabricadas fora dos EUA, mas outras grifes querem repatriar a produção  
A modelo brasileira Alessandra Ambrósio desfila para a marca norte-americana de lingerie Victoria's Secret; as peças da marca são fabricadas fora dos EUA, mas outras grifes querem repatriar a produção
Uma oficina de costura em pleno coração de Manhattan!
Quando se passa pela porta da Hanky Panky, no 11o andar de um prédio residencial na Park Avenue, perto da estação Grand Central, a surpresa é total. Dezenas de costureiras se ocupam com moldes e, um pouco adiante, estilistas trabalham na próxima coleção, atrás das telas de seus computadores. Em uma das cidades onde o mercado imobiliário tem atingido picos e em um setor que transferiu toda sua produção para países de mão de obra barata, a pequena empresa especializada em lingerie prova que é possível resolver o impasse sobre a terceirização chinesa ou indiana.
O "Made in USA" é o lema das duas fundadoras da Hanky Panky, Gale Epstein e Lida Orzeck. "No começo, as pessoas pensavam que éramos loucas", conta Orzeck. "Mas, em poucos anos, as mentalidades mudaram totalmente: para nós isso se tornou uma vantagem competitiva." Em um período de dez anos, a Hanky Panky passou de aproximadamente 50 funcionários para 150. Sua especialidade são as tangas (cerca de 50% da produção). A empresa vende 2 milhões delas por ano, distribuídas em casas como Bloomingdale's, Macy's, Nordstrom e Saks, entre outras.

Lento movimento de volta

Apesar de a empresa ter crescido, as duas fundadoras sempre fizeram questão de manter a produção na região de Nova York. A Hanky Panky tem uma oficina no bairro do Queens e usa tecidos exclusivamente dos Estados Unidos. Essa escolha tem seu custo: duas tangas são vendidas a cerca de US$ 20, três vezes mais caro que as da Victoria's Secret, líder do mercado, que optou por externalizar sua produção. "Claro, estamos em um nicho de mercado", reconhece Epstein, "mas, ao enfatizar o design e a qualidade, conseguimos nos diferenciar da concorrência".
A Hanky Panky poderia ser uma exceção no setor têxtil americano, que transferiu em massa sua produção nos anos 1980 para países de mão de obra barata e que, desde então, era dado como morto. Mas está tendo início um lento movimento de volta. As exportações americanas de têxteis e roupas aumentaram mais de um terço em três anos.
Uma pesquisa conduzida em 2012 pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pela revista "Supply Chain Digest" junto a 340 presidentes de indústrias do setor revelou que um terço deles considerava repatriar parte de sua produção para os Estados Unidos, sendo que 15% deles afirmaram ter decidido fazê-lo. "Um certo número de empresas não havia medido de fato o total dos custos ocultos que uma transferência para o outro lado do mundo representaria", afirma Suzanne Berger, professora do MIT e especialista em globalização e terceirização. "Assistimos a um movimento no qual as indústrias seguiram as outras cegamente e hoje elas se deram conta de que não havia só vantagens."

Custos altos nos países emergentes

O setor têxtil americano está exaurido. Em 1993, mais de 477 mil pessoas trabalhavam em tecelagem. Hoje, não passam de 115 mil. Mas é inegável que "um movimento de inversão de fluxo está ocorrendo com o aumento dos custos nos países emergentes", disse recentemente ao "Wall Street Journal" Robert Hitt, o secretário para o Comércio da Carolina do Sul, uma das regiões tradicionais do setor têxtil.
Segundo a Faculdade de Têxteis do Estado vizinho, Carolina do Norte, o custo de produção do quilo de fio era de US$ 2,86 (cerca de R$ 7) nos Estados Unidos em 2003, contra US$ 2,76 na China. Hoje a diferença se inverteu: US$ 3,45 nos Estados Unidos e US$ 4,13 na China. O aumento dos custos salariais na China, os prazos de entrega --que vêm se tornando cada vez menos compatíveis com a aceleração da renovação das coleções-- levaram certas marcas como a American Apparel a apostarem no "Made in USA".
Esse movimento também tem sido guiado pelas escolhas dos consumidores. Segundo uma enquete realizada em janeiro de 2013 para o "New York Times", 68% dos americanos afirmaram preferir comprar roupas fabricadas nos Estados Unidos, ainda que sejam mais caras, e 63% estão convencidos de que elas são de qualidade superior.
Essa mudança de comportamento tem incentivado as marcas a mudarem sua estratégia. A Abercrombie & Fitch criou em suas lojas espaços dedicados ao "Made in USA". O Walmart, considerado o maior adepto da terceirização para derrubar seus preços, também está mudando de discurso. O líder mundial do varejo estabeleceu como objetivo aumentar em US$ 50 milhões suas compras nos Estados Unidos dentro de dez anos. O grupo anunciou, no dia 24 de janeiro, a criação de um fundo dotado de US$ 10 milhões para promover aqueles que aceitem repatriar sua produção.
Alguns dos terceirizados se anteciparam, como a marca de sapatos femininos Nononsense: essa filial do grupo Kayser-Roth (Burlington, Calvin Klein, Jockey) acaba de investir US$ 18 milhões em suas fábricas no Tennessee e na Carolina do Norte, para fornecer ao Walmart sapatos "Made in USA".
Embora os exemplos de repatriação da mão de obra por enquanto ainda sejam esparsos, a dinâmica geral vai além. Assim, em dezembro de 2013, uma tecelagem chinesa, Keer Group, assinou um acordo para investir US$ 218 milhões em uma fábrica em Lancaster, perto de Charlotte (Carolina do Norte). Além dos subsídios locais, a empresa encontrará ali uma energia elétrica duas vezes mais barata do que em Hangzhou, sua cidade de origem, na província de Zhejiang. Ela pretende criar 500 empregos nos Estados Unidos.
Outra vantagem para que um fabricante chinês se instale nos Estados Unidos é que dessa forma ele otimiza os tributos alfandegários. E fabricar seu fio em território americano permite exportá-lo para a América Central, onde as roupas são tecidas antes de voltar para solo americano para aproveitar as atraentes tarifas da zona regional de livre-comércio (Alena).
A indiana Alok Industries fez o mesmo cálculo quando considerou se instalar a 80 quilômetros do porto de Savannah (Geórgia). Sua compatriota ShriVallabh Pittie Group também está prestes a investir US$ 70 milhões na Geórgia, considerando que, entre subsídios locais, baixas taxas de juros nos EUA e custo acessível da energia, não seria loucura se aproximar de seus consumidores finais.
"Não se deve imaginar que todos os empregos perdidos pela indústria americana voltarão em um passe de mágica", diz Berger, que salienta que países como a China possuem setores industriais integrados que vão bem além da simples terceirização. O terreno perdido será difícil de reconquistar pelo fato de que a externalização de mão de obra foi levada ao extremo: em 1991, mais de uma em cada duas peças de roupa (56,2%) era fabricada nos Estados Unidos, segundo a American Apparel & Footwear Association. Hoje essa proporção caiu para 2,5%. O impacto sobre o emprego é igualmente impressionante, uma vez que o setor perdeu três quartos de seus funcionários.
"Existe uma verdadeira janela para a indústria e os empregos em produção", afirma Berger, que participou da pesquisa "Production in the Innovation Economy", conduzida durante três anos pelo MIT e publicada no outono de 2013. "Chegamos à conclusão de que a produção industrial não pode ser considerada como um simples commodity que pode ser comprado em países de custos baixos", ela afirma, salientando que a reconquista depende da "criação de ecossistemas integrados onde a inovação e a produção andem juntas".
O governo americano está empenhado nisso, financiando centros industriais inovadores em conjunto com consórcios privados. Um primeiro, dedicado à impressão 3D, foi inaugurado em 2013 no Estado de Ohio. Um segundo, especializado em aparelhos de baixo consumo de energia, foi inaugurado no dia 15 de janeiro em Raleigh (Carolina do Norte) por Barack Obama, que prometeu abrir no total 15 deles. O setor têxtil ainda aguarda sua vez.

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