O pior do pior de 2013 (e da década!)
Paulo Rabello de Castro* - O Estado de S.Paulo
No ano velho, o dispêndio público federal mais uma vez
explodiu, como em cada ano desta década, sem "falhar" um único período
desde 2004. O governo converteu-se num gastador compulsivo e
dissimulado. Em 2013 o rega-bofe tornou-se um escárnio: o gasto total do
governo cresceu quase 15%, o dobro do crescimento do produto interno
bruto (PIB) tributável, que paga a gastança - o PIB nominal só aumentou
cerca de 8% no ano passado.
Recordes de arrecadação são comemorados como algo positivo. Não é
casual. O Estado gasta demais, a sociedade paga a conta e isso se
transformou no grande nó que amarra o desenvolvimento do País. O estouro
da despesa pública em todos os níveis está no centro da explicação - a
única plausível - para o baixo desempenho da economia brasileira. A
afirmação pode soar contraintuitiva. Mas é exata. No Brasil, o governo é
que impede o desenvolvimento que ele mesmo se propõe a conduzir. Nem
Keynes discordaria: sua lição de ampliar gastos públicos como remédio
numa severa recessão em nada se aplica para justificar a explosão do
gasto público total. Tendo a despesa pública brasileira se tornado
veneno, como podemos denunciar e combater essa tragédia coletiva no
debate eleitoral de 2014? Será que os candidatos sabem e compreendem a
natureza do mal da despesa pública excessiva?
A natureza nos ensina. No cultivo de cítricos, a doença mais grave de
um pomar é o "declínio". De origem desconhecida, o declínio vai
atingindo as árvores mais vulneráveis, sempre de modo gradual. A árvore
não morre, mas já não consegue produzir como antes. Algo a devora por
dentro, como um câncer. A anterior vitalidade é substituída por uma
produtividade recessiva da planta. Como no declínio dos cítricos, também
alguma coisa consome o vigor da economia brasileira. E por ser algo
lento e mudo, torna-nos desatentos à malignidade do processo.
No declínio da economia, a única estrutura que explode em crescimento
é o próprio governo, devorando o resto à sua volta. Ao crescer, por uma
década, ao dobro do ritmo da economia produtiva, o setor público vai
inchando em patológica progressão. Instala-se um processo de
substituição das forças da sociedade e dos mercados pela articulação
típica dos processos facciosos na decisão de gastar. Gasta-se para nada.
Gasta-se para agradar a grupos, para pacificar descontentes, comprar
mais poder, para ir ficando.
Vamos aos números. No Plano Real, há duas décadas, o gasto total do
Estado nacional, nos seus três níveis de comando, ainda era a quarta
parte do PIB brasileiro, o que já representava um nível superior ao de
países de semelhante estágio de renda per capita. Hoje o tamanho do
setor público atinge 40% do PIB, ombreando-se com a velha Europa, mas
sem qualidade de serviço público. Está aí o cerne da questão. O Estado
brasileiro explodiu, consumindo tudo à sua volta. Avançou como uma
célula anormal, devorando o resto sem piedade. A enorme velocidade com
que isso tem ocorrido é o traço essencial que distingue o caso da
expansão do Estado no Brasil. Não existe paralelo mundial para o que vem
sucedendo aqui. O tamanho do Estado quase dobrou, empurrando a carga
tributária para um patamar insuportável, ao tornar o País um dublê de
selva burocrática e manicômio tributário.
A extração de meios para a "sobrevivência" do governo é alcançada
pelo confisco da poupança das famílias e pela derrama sobre o caixa
gerado nas empresas. Ano após ano, as famílias deixam de fazer poupanças
voluntárias e as empresas deixam de investir seus lucros, levados pelos
escorchantes impostos que se recolhem ao longo do processo produtivo. O
Estado extrator, ao contrário, quer sempre mais. Pior: os recursos
extraídos da sociedade passam longe dos investimentos sociais e da
melhoria da infraestrutura. Como a capacidade investidora do Estado é
incomparavelmente menor que a dos contribuintes, trocamos avanços do
setor privado pela debilidade investidora do Estado. Não é surpresa que
nossa taxa de investimento seja a mais baixa entre todos os nossos
vizinhos na região e uma das mais baixas do mundo emergente.
Capa da revista britânica The Economist estampou o Brasil como um
foguete descontrolado - de fato, a estátua do Cristo Redentor caindo do
Corcovado, numa insólita expressão do humor trash dos britânicos. A
revista fazia referência a outra capa, de 2010, em que o Cristo Redentor
decolava do morro, exprimindo a esperança dos estrangeiros na força
investidora do Brasil naquele momento. Má avaliação e equívoco flagrante
de prognóstico. O Brasil nunca contratou o progresso acelerado
antevisto pela publicação inglesa.
Estamos nos comendo por dentro. Apenas temos muito para devorar antes
de fenecer. Não é progresso, é mera transferência da vitalidade de uma
grande nação para um insaciável aparelho estatal que, no caminho, vai
distribuindo "o peixe", em vez de entregar a vara de pescar. Minamos as
chances de progresso verdadeiro. Mantemos, apesar da arrecadação
pantagruélica, uma educação de baixa qualidade e um sistema de saúde
pública de fancaria. Nada senão o excesso de gasto explica o mal que nos
acomete.
O diagnóstico do excesso da despesa pública é a grande razão por que
as eleições de 2014 são tão importantes. O debate eleitoral poderá
propiciar nossa última chance de constatar duas coisas: primeiro, quão
distantes estão os candidatos de um diagnóstico verdadeiro do que
realmente tem sufocado o progresso nacional; e, por fim, quão próximos
ainda estamos de repetir, em 2014, mais um ato continuísta da trágica
política econômica do "declínio". Para conter o avanço do Estado e
resgatar as chances de progresso da sociedade brasileira é fundamental
pactuar uma regra clara de crescimento da despesa corrente pública.
*Paulo Rabello de Castro é economista e coordenador do Movimento Brasil Eficiente
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